A violência política da naturalização

Uma menina é colocada em uma cela com 20 homens, durante 27 dias e o que se questiona é sua idade. Maior ou menor, é um corpo de mulher que foi ofertado pasto aos presos. E este não é um  caso único, como afirmam os jornais. Uma mulher presa é um corpo a ser usado, como qualquer mulher que esteja em situação precária  ou de risco. E isto é “natural”, Turismo sexual é notícia, a prostituição é “natural”; imagem clássica de uma natureza que encobre a violência da apropriação social dos corpos femininos.

Mas afinal, o que é uma mulher? perguntava, em 1949 , Simone de Beauvoir. É esta questão que abala a  evidencia maior de corpo sexuado pré-existente  à sua inserção no cultural, já que, como afirma esta autora, “não se nasce mulher, [alguém] se torna mulher. Colocando em pauta o corpo sexuado como uma construção social, os feminismos contemporâneos, que adquirem visibilidade justamente a partir desta pergunta de De Beauvoir desarticulam a última certeza da ciência e da biologia, pois fica claro que não basta ter uma genitália específica para ser mulher ou  homem. É-se construído culturalmente de forma binária e hierárquica, e a diferença sexual, fundamento de todas as desigualdades é um processo contínuo de diferenciação, de um corte político do humano criando imagens e representações.

Os feminismo criticam esta repetição constante de idéia de diferença sexual, esta  necessidade de estabelecer como “natural” a coerência entre sexo, desejo e sexualidade para que a inteligibilidade cultural do humano seja admitida e adquira foros de “natureza humana”. .. A diferença é política, o corpo é marcado pelo sexo e o corpo das mulheres se torna assim espaço de domínio masculino..O “natural”  aqui, do corpo biológico, dotado de certas particularidades, atrela-se ao político, na medida em que define um comportamento “normal” a partir de valores criados pelo social. A  genitália, assim, torna-se causa de uma sexualidade paradigmática, da heterossexualidade reprodutiva, cujo ônus recai, principalmente, sobre as mulheres.

Os sentidos elaborados, em tempos e lugares específicos, tomam foros de verdade ao serem expressos na linguagem sob a forma de tradição, memória, história, do “sempre foi assim” ;  em sua própria repetição criam constantemente o solo sobre o qual se apóiam, expressão de uma realidade universal e/ou natural

A ausência das mulheres como sujeitos políticos na produção do conhecimento e no social, não era sequer notada, até a eclosão dos feminismos contemporâneos. Esta é também uma violência simbólica que sofrem todas as mulheres, para além das violências cotidianas e de sua banalização,  que decepam a indignação. As meninas e mulheres  entregues aos homens presos e que certamente ainda lá estão mostram a profundidade da violência do processo de diferenciação política dos sexos.

Profa. dra. ania navarro swain

Universidade de brasília

Brasília, 30 de novembro de 2007