O patriarcado em ação
O Patriarcado são os homens. É uma categoria fundamental para firmar uma posição de resistência e repúdio à dominação masculina nas análises feministas. Com efeito, não é utilizada com frequência que é, entretanto, essencial pois ordena as relações sociais, logo, a exploração e a dominação das mulheres pelos homens; patriarcado não é uma simples palavra, não é o contrário de matriarcado, mas um sistema estruturado e estruturante que se renova a cada conquista feminista, tal fênix malsã e infecta. É um sistema político que une os homens em uma classe solidária e cúmplice para criar uma hierarquia entre feminino e masculino; para cunhar este sistema e mantê-lo, foi e é preciso a ação conjunta de todas as instituições sociais, como a religião, as leis, as escolas, as universidades ; a criação de um certo imaginário, os discursos científicos, míticos, simbólicos, agem na mesma lógica do masculino superior: fixar nas representações sociais a noção de “natureza humana” que designaria um lugar inferior ao feminino. Para melhor as excluir das engrenagens e da dinâmica do social. As teorias feministas revelam as raízes e os tentáculos do patriarcado, porém este reaparece fortalecido a cada transformação social, desmonta os triunfos duramente alcançados, transforma em aliadas as mulheres assujeitadas à ordem “natural”, à ordem do biológico, do divino, da autoridade, da violência, das ameaças, abusos, assédios. Elas são cúmplices do patriarcado. É assim que mulheres se mobilizam contra outras mulheres, pelo direito à livre disposição de seus corpos, pelo direito ao aborto, pela imposição de normas e valores religiosos e obsoletos numa sociedade laica. Mulheres contra mulheres, que sucesso para o patriarcado! Aliado ao capitalismo, o patriarcado explora a mão de obra feminina em todos os setores, pagando menos que os homens, sustentando uma divisão sexual do trabalho em casa e em empregos formais. Como toda mulher sabe, é preciso esforçar-se dez vezes mais que os homens para ascender a postos mais qualificados. Quando permitem, seu saber e suas competências, sua inteligência é usada e sobretudo apropriada, sem que sejam reconhecidos seus feitos, suas invenções, sua criatividade. Não existe a vontade de transformar, de incluir estas qualidades no desenvolvimento da economia, na modificação das normas sociais. Ao contrário, o patriarcado defende com afinco o status quo. Patriarcado e capitalismo, de mãos dadas, conseguem colocar as mulheres nos níveis mais baixos da pobreza, do analfabetismo, os braços sempre carregados de crianças, o olhar perdido dos sem abrigo, sem recursos, sem esperança. Pois a exploração se faz por todos os meios, desde a mão de obra a preços insignificantes, à exploração sexual, que faz das mulheres objetos de consumo corriqueiro tanto para a reprodução -de machos- quanto para satisfação e prazer dos homens. Algumas tentativas têm sido feitas com a concessão de empréstimos reduzidos às mulheres, em diferentes países, com grande sucesso, mas restam projetos isolados, minúsculos, que não tem conseguido transformar a realidade , onde os homens têm preferência em todos os setores da economia. É preciso sublinhar que o patriarcado não é um sistema caídos dos céus, apesar das narrativas míticas religiosas da criação hierarquizada. Ele é uma construção masculina. São os homens que excluem, que desprezam, que utilizam as mulheres, seus corpos, seu tempo, sufocando seus desejos, suas possiblidades, suas chances enquanto sujeitos políticos. É político, assim, o fato de que as mulheres tenham sido impedidas de votar , de herdar, de escolher seus amores, de fazer abortos de fetos indesejados, pois é preciso manter a dominação dos corpos, sugestionar as mentes, impedir pela força e a violência sua presença na cena política, quanto mais nas instâncias superiores de decisão. Basta observar a ausência de mulheres nas engrenagens decisórias governamentais. O patriarcado e o capitalismo se completam como um sistema político unitário fundado na exploração e exclusão, no qual as mulheres são o alvo preferencial por que não, prioritário. Nenhuma sociedade funciona sem o trabalho das mulheres, no campo ou nas cidades, por isto é preciso o controle, o assujeitamento. As narrativas históricas são solidárias ao patriarcado, pois levam a crer que é universal e eterno, incontornável desde a noite dos tempos regendo as relações sociais na dominação e hierarquia. Enquanto historiadora, afirmo que a história é uma construção patriarcal e partícipe do patriarcado que apaga as mulheres para melhor as excluir da política e relegá-las ao sexo e à reprodução, moldando assim a memória social. Com a análise de documentos esquecidos e mesmo de lacunas da historiografia abre-se um leque de todas as histórias possíveis do humano. Ao recusar a ideia de “natureza” é preciso manter a coerência e não aceitar um universal a- histórico no que concerne a humanidade. Com efeito, o tempo é o mestre da história e tempo significa mudança, transformação; não se pode mergulhar nas mesmas águas dos rios, não somos as mesmas pessoas no correr dos dias e dos anos, tudo é fluxo, em que correntes fui me transformando no que hoje sou? Os fatos históricos são construídos,portanto, segundo as condições de produção e de imaginação dos historiadores que tem, entretanto, sempre se voltado ao masculino ou a um binário hierarquizado. Não existe fato histórico em si, e sim a exumação e a interpretação de certos eventos. É assim que a história, guardiã da memória social é um terreno masculino, sobre o masculino. Mesmo quando a história das mentalidades se voltou para o humano e não apenas para os heróis e as batalhas, as mulheres continuaram esquecidas, perdidas entre cozinha, fraldas, casamentos de conveniência, apagadas da vida social, da arte, da criação, do trabalho, da ciência, da produção de conhecimento, que não cessaram de realizar. Seres sem importância para a “grandeza” da narrativa histórica. Mesmo historiadoras feministas que introduziram as mulheres no curso da história o fazem, majoritariamente nos esquemas de homem/ mulher/ poder/ submissão, o famoso gênero que não desfaz a ideia de binarismo político e de hierarquia. A história dita antiga foi rapidamente apagada no Ocidente antes dos atenienses e romanos; foram chamados de “bárbaros” , seria porque eram regidos por outras regras que não apenas as do poder masculino? Os Germanos, os Celtas, os Pictos, os Sarmonates, os Etruscos e tantos outros povos tinham relações sociais diversas em relação ao binário hierarquizado. Por que deles falar? Contrariavam a regra de ouro do único poder, o masculino. As tribos das Américas e do Pacífico, os povos nômades da Asia e da Europa mostram indícios da importância social das mulheres, como explicitaram as arqueólogas Marija Quibutas, Jeannine Davis-Kimbal, Edward James, Merlin Stone, Sarah Nelson[1]. Poderiam de fato nem ser o que classificamos hoje como “mulheres” centrados no sexo, com status social inferior. As interpretações dos arqueólogos primam pelo etnocentrismo, por um imaginário limitado pelo binarismo, pelo apagamento das mulheres e sua importância no social, pregando, porém, para justificar-se, uma objetividade impossível de ser alcançada, pois nada escapa às condições de produção da pesquisa. A taxinomia de 40 ou 50 mil anos de milhares de vestígios, de desenhos, de estatuetas femininas foram rapidamente transformados nos museus em « culto da fertilidade », « mulher », « estatueta feminina » , enquanto qualquer artefato vertical foi assimilado ao pênis, logo denominados sacerdote, rei, escriba, nobre. A linguagem é um sinal definitivo da importância dada às coisas, construindo discursos históricos que giram em torno do falo, do papel masculino, sublinhado a inferioridade e desimportância do feminino na cena político-social. Mesmo quando se fala de “matriarcado”, tendo em vista a presença maciça dos vestígios ligados ao feminino em determinadas épocas, é para acentuar um traço evolutivo do caminhar humano: do caos matriarcal ao patriarcado glorioso, na ordem do Pai e do pênis. A concepção de deus-pai já marca no imaginário a importância do masculino. A história é assim uma construção patriarcal, sempre soletrada no masculino, baseada no “natural” das relações humanas, logo , na “diferença” e a instituição do sexo social com papéis definidos: aos homens o poder e a dominação, às mulheres a submissão ou a reprovação, com as consequências que se seguem. A “diferença” é a chave mestra enraizada na “ordem natural”.. O patriarcado em si foi construído no Ocidente a partir das conquistas gregas e romanas, dizimando os povos submetidos, destruindo seus símbolos, sua linguagem, seus costumes. Da mesma forma, por ocasião das navegações dos séculos XVI e XVII, o patriarcado se implantou nas culturas das ilhas do Pacífico, entre os índios brasileiros, nas tribos da América do Norte, cujos costumes lhes eram estranhos e incompreensíveis. Melhor impor-lhe os valores e normas cristãos, tornando mais fácil a dominação, separando os sexos pela importância que lhes era dada: homens, superiores; mulheres, no degrau zero da escala social, presas à luxúria dos colonizadores. E na Ásia? Dela não se fala. E a Africa? Que diversidade de relações sociais podem ser encontradas fora dos moldes patriarcais? Como sublinha Foucault, tudo que foi construído pode ser desconstruído e aos poucos historiadoras tem aberto grandes brechas na teia da vida humana, expondo povos que não viviam a escravidão do sexo e do sistema binário, opondo o clã dos homens às mulheres, nomeando-as sujeitos de segunda classe, assujeitadas por “natureza”. Nas trilhas do feminismo, a história vista com outros olhos, pode nos mostrar o múltiplo, a diversidade, o possível. Mas o patriarcado resiste, apesar das lutas feministas. A economia de todas as sociedades, passadas ou presentes depende da mão de obra feminina, nunca é demais reafirmar, de seu trabalho árduo e constante. Porém, hoje, ainda ocupam postos subalternos, afastadas das instancias de decisão para não atrapalhar o status quo. As organizações internacionais costumam reconhecer as situações que levam as mulheres à extrema vulnerabilidade e pobreza; entretanto, não levam em conta que é o sistema e estrutura patriarcais que impõe estes malefícios. O sexo e a sexualidade não fazem parte das análises globais enquanto instancias de exercício de poder. Tudo se passa como se as relações sociais fossem fotografadas como imagens estáticas, como evidências. A ideia, portanto, de modificá-las, de sacudir as estruturas, de mostrar o patriarcado enquanto motor da desigualdade e criador da noção de “diferença”, eixo de desigualdade perde-se no vazio discursivo. Tudo se passa, sim, como fazendo parte do “natural”, criando paradigmas, normas, tecnologias, teologias, valores iníquos, favorecendo não só a dominação, mas a lubricidade, a complacência diante do assédio; o estupro só começou a ser visto como crime com a ação feminista. Considerada distração entre amigos, brincadeira, o estupro sobretudo nas guerras eram a recompensa para o soldado, arma usada para desmoralizar os oponentes. As relações de força e desigualdade entre mulheres e homens estão ancoradas no cimento de um imaginário que torna realidade as fantasias de poder e luxúria. São também as raízes de um capitalismo financeiro e liberal, aliado do patriarcado, que ordenam as relações sociais e a divisão do trabalho segundo as exigências masculina. Assim, o espaço público aberto às mulheres outorga- lhes um status na produção, mas de remuneração inferior. Entretanto, esta outorga não as libera das tradicionais tarefas domésticas, quase exclusiva das mulheres; no patriarcado tudo se arranja a seu favor: um pouco de liberdade, mas sem liberá-las de seu arcabouço “natural”. O patriarcado é o parceiro ideal do capitalismo neoliberal, agindo em sua estruturação; seus valores e normas obsoletas ligam-se à mundialização dos mercados, sempre em detrimento da mão de obra e do savoir-faire feminino. Não há interesse algum em aprofundar as raízes da desigualdade que repousam na “diferença” pois a força do patriarcado vem do assujeitamento de mais da metade da população do planeta -as mulheres- à sua “natureza” feita de fragilidade física e mental. Neste sentido, os estudos feministas são extremamente perigosos para o despertar das consciências femininas e suas possibilidades enquanto sujeitos sociais. O patriarcado odeia as feministas que vem solapar sua dinâmica de reconstrução incessante da “diferença” que afirma a hierarquia entre masculino e feminino, expondo as justificativas, tecnologias e artimanhas para manter os estereótipos de controle e exercício do poder em todos os setores. A opressão das mulheres é sem dúvida variável segundo a geografia e a temporalidade. Mas em última instância, seu assujeitamento está marcado de maneira incontornável pela interação do patriarcado com todos os outros sistemas de divisão do trabalho e hierarquização dos papéis sociossexuais. Em seu movimento de absorção e renovação de seu domínio sobre as mulheres, o patriarcado aceitou tranquilamente a expansão da categoria “gênero” nas análises feministas. Se em seu início esta categoria marcava o caráter construído do sexo social, rapidamente passou a designar “a mulher” ou a relação entre os sexos que se torna “ relacional” deixando supor uma igualdade nesta construção. A hierarquia e a dominação masculina é assim afastada. Findo o perigo da transformação sociossexual. O feminismo desaparece, aliás, nos “estudos de gênero” assim como a categoria “patriarcado”; feminismo passa a ser visto como oriundo de pensamento e atitudes “radicais”. O « gênero, aplicado de maneira universal e contrariando sua primeira significação, retoma a divisão sexo/biológico/ sexo social, ou seja, reproduzindo a perspectiva de “natureza” humana, atrelada aos papéis sociais. O gênero torna-se um operador descritivo das relações humanas, onde foi parar o objetivo maior de destruição da hierarquia e do poder patriarcal? Com efeito, a categoria “ gênero” foi desnaturada na medida em que pretendia mostrar a construção histórica do sexo social e a fixação de papéis conectados à materialidade dos corpos e se desenvolveu na direção do binário habitual. Empregada de maneira indiscriminada, esta categoria não é mais um utensílio para questionar a formação complexa do social, para informar as raízes de sua construção; o gênero tornou-se, portanto, sem qualquer profundidade de análise, apenas voltando-se para o Mesmo, a divisão hierárquica do social entre os sexos. No Brasil, apareceu a “ ideologia do gênero”, desta vez tratando de uma oposição entre hetero e homossexualidade, tal sua maleabilidade. Houve mesmo um decreto proibindo toda discussão sobre “ gênero’ nas escolas, derrubado pelo Supremo Tribunal. As questões identitárias tomaram o lugar da materialidade das relações sociais, mais uma utilização distorcida da ideia inicial da categoria gênero. Sou um homem ? sou uma mulher? Questões que substituem as representações sexuadas a partir da performatividade do gênero, ou seja, a estruturação social dos papéis atribuídos ao sexo. Não há mais problematização sobre a questão: o que é uma mulher, por exemplo, mas a solidificação dos papéis tradicionais pela identidade de gênero, agora definida por simples afirmação. É assim que se encontra aberrações tais como o “homem lésbico” que se impõe aos grupos lésbicos, ou os transativistas que invadem, perturbam ou impedem colóquios ou conferências feministas[2], para impor a aceitação de sua nova identidade de gênero, abolindo toda teorização sobre o sujeito político “mulher”. Transfobia é a palavra da moda, dirigida sobretudo às feministas que discutem o patriarcado e os fundamentos da dominação masculina e não apenas sobre sexo e sexualidade, pois de fato é disto que se trata. Marguerite Stern e Dora Moutot, autoras francesas, escreveram um livro argumentativo , Transmanie, sobre estas questões e são ameaçadas de morte sem cessar pelo X, por pichações em muro, buscando freneticamente seus endereços.[3] O que é típico da violência masculina, apesar de reivindicarem a identidade feminina. O feminismo nunca matou ninguém, nunca ameaçou de morte os autores de violências extremas contra as mulheres. Esta é a grande diferença. Com efeito, mudar de sexo não muda nada às estruturas patriarcais, não responde à dezenas de anos de teorias e reflexões feministas sobre a desconstrução do feminino social, para finalmente sair do destino biológico das mulheres. Mudar de sexo biológico ou de gênero é de fato um movimento individual que nada acrescenta aos objetivos feministas. Pois o que se pretende é mudar o mundo e não apenas mudar de sexo no mesmo sistema hierárquico de dominação do feminino para o masculino. Neste sentido, a fixação identitária em mulher ou homem só faz retroceder a questão do sujeito e sua essência, o que vale dizer que existem particularidades inatas para cada sexo, ou seja, uma “natureza”. Volta-se então para a natureza, a essência do sujeito, sujeita a seu destino biológico. A performatividade, ou seja, a construção do gênero, assim como sua multiplicidade foi mal compreendida e mal aplicada, tanto na análise quanto nos movimentos sociais que arboram o estandarte da mudança de sexo e de identidade. Pois a performatividade é o corolário das práticas discursivas e não discursivas compreendidas como o conjunto de instituições, normas, valores, representações que moldam as relações humanas. A performance é encenação, a performatividade é construção. De fato, “gênero” em sua acepção primeira não nega de forma alguma o sexo biológico, mas denuncia as práticas que fixam papéis e normas a partir do sexo. O que interessa no caso, é a destruição destes valores que criam hierarquias e não a volatilidade dos sexos. Se pensamos uma « história do possível”, fora dos moldes patriarcais, outros valores sociais se expõem, quando se pensa a infinidade de relações humanas no curso de milenários. O “gênero” sufocou os estudos feministas, sequestrou da análise e da prática feminista seu objetivo primordial: desnaturalizar o natural, quebrar o cimento das dominações plurais, abrir-se para a observação do novo, de relações que não supõe nem hierarquia, nem dominação, nem normas de uma vida social feita de hipocrisia, de mentiras “verídicas”, fundadas sobre o desejo de poder de uns sobre os outros. O “gênero” abriu as portas para o transativismo e a penetração do masculino em todos os escaninhos reservados às mulheres. O gênero, apadrinhado pelo patriarcado, jogou no esquecimento as estratégias feministas, divagando sobre o “relacional” entre mulheres e homens, como se a instituição do sexo social fosse a mesma para as duas categorias. Esvazia-se assim a crítica sobre o patriarcado e seus tentáculos, eixo essencial para a teorização feminista da dominação masculina. Nem universal, nem a-histórico, o patriarcado traçou os sendeiros nos quais caminhamos, prisioneiras de nós mesma, do destino biológico. O antifeminismo ordinário, bem como o transativismo, apoia-se em uma representação essencialista das mulheres para atacar o não- conformismo aos diktas da ordem patriarcal, recusando assim a perspectiva da igualdade das relações entre mulheres e homens. Seja qual for a forma ou a expressão, o antifeminismo, face raivosa do patriarcado, alimenta-se de todo um conjunto de cosmogonias, de mitos, de representações e práticas que respondem a uma vontade de legitimar a divisão e a hierarquia entre os sexos, afastar o medo de ver o desaparecimento dos espaços, das posições e dos privilégios tradicionalmente reservados aos homens. Por “natureza”. Para resistir à estas ameaças, o culto católico glorifica e exalta um modelo inatingível de mulher , mãe desprovida de toda sexualidade, Maria, virgem e mãe “toda amor e sacrifício”, imagem invertida de Eva, a maléfica; o Islã exige mulheres veladas, invisíveis, desprovidas e sexo e de identidade, definição unívoca do destino biológico. Feministas castradoras, ódio dos homens, complô feminista, o discurso patriarcal inverte os termos, atribuindo às mulheres sua própria aversão a um mundo igualitário. Mulher ornamento, mulher objeto, redução do humano a sua dimensão estética, submetida ao olhar e à aprovação de outrem, cujo corpo sexuado se torna a principal referência identitária de algo a ser consumido. Não é sem razão que mulheres assujeitadas e estes modelos tornam-se caricaturas, fazem cirurgias múltiplas, dos seios, dos lábios, das vulvas, do ventre, para que? Para quem? Enfim, a “mulher rival” é com certeza a representação social, que hoje, suscita mais reações entre os masculinistas. Para alguns, a força e as qualidades antes encobertas destas mulheres suscitam seu ressentimento, senão seu medo. Para outros, a recusa de partilhar territórios que os homens ocupavam com exclusividade no passado e mesmo a ansiedade causada por mudanças das transformações de mentalidades, das maneiras de socializar, reforçam um patriarcado permeável, mas sempre intransigente. Vaginocratas, terroristas familiares, feminazis, feministas integristas são epítetos que espalham o ódio e a recusa da independência feminina. O antifeminismo, alimentado pelo patriarcado, cresce na medida das conquistas das mulheres pela sua liberdade; os homens declaram-se vítimas. O antifeminismo ordinário evidencia certos procedimentos: distorção da informação, simplificações abusivas e vitimização. Estes procedimentos são vetores que retomam e revivem os arquétipos da mulher diabólica, fraca, objeto, rival, a ser domesticada. Distorção : os homens são vítimas destas mulheres. Distorção ainda os epítetos « puritanas”, “velha guarda feminista” àquelas que denunciam o machismo das instituições, da pornografia, da prostituição, da pedofilia. Pois tudo hoje deve ser permitido, em detrimento das mulheres. A distorção mais grave seria a que leva a crer que a igualdade dos sexos teria sido alcançada, realizada, que se deve mudar de assunto, as mulheres já teriam conquistado todos seus objetivos. A condição das mulheres não é assim tão funesta, dizem eles; as denúncias de assédio, de violência doméstica, de estupro são tratadas com leviandade. Ou ignoradas. O feminicídio é uma pandemia que não cessa de crescer. Afinal, as mulheres gostam de ser dominadas, acorrentadas, violentadas, todo mundo sabe disto. A promoção social das mulheres em alguns países faz nascer o espectro de um “poder feminino” , responsável pela perda de virilidade e de autoestima masculina, o patriarcado treme e teme. O assujeitamento feminino se reforça em novas imagens, jovens, cada vez mais jovens para o consumo, esbeltas, sexy, provocantes, os lábios inchados pelo botox, fazendo caras e bocas para seduzir. E sobretudo, consentindo e adotando estes modelos. Assim, milhares de mulheres sob o jugo representacional do patriarcado se precipitam em suas redes, envoltas em seus tentáculos, fazendo a promoção de sua própria objetivação, sob o pretexto de “livre escolha”. As escolhas das mulheres só são livres fora do sistema patriarcal. [1] Nelson Sarah, 2004. Gender in Archeology, Analizing Power and prestige, Altamira Press. Ver também, por ex., https://www.scielo.br/j/ss/a/nYGyqgdc3kfygSKj5B3LpNd/?lang=pt |