Estas mulheres de aventura ! Maud Fontenoy, a travessia do Atlântico norte e do Pacífico a remo! Quem é esta mulher jovem, linda, esbelta, braços de ferro e sonhos de aço? Maud Fontenoy, nascida em Meaux no dia 7 de setembro 1977 é uma navegadora francesa praticando não só o remo como a vela. É uma mulher de aventura, destas que afrontam os perigos e o impossível; ela tem medo, sim, mas não cessa de perseguir os horizontes infinitos do mar. É isto a coragem, de fato: afrontar o medo ! Um mar terrível, que a acolhe para melhor desafiá-la, com suas profundazas abissais, seus monstres dissimulados, seus cinco mil quilômetros de solidão que a circundam, seus dez quilômetros de abismo e desconhecido. Maud atravessa os mares sozinha, em um pequeno barco a remo! Ela atravessa o Atlântico norte, o mais difícil e não satisfeita, o Pacífico, o oceano de todos os perigos, de todas as esperanças e desesperanças. A rota do Atlântico norte é um pesadelo e Maud é a primeria mulher a percorrê-la de forma solitária e a remo. Seis homens apenas conseguiram fazê-lo, muitas outras tentativas foram abandonadas ou terminaram quando o mar colheu e engoliu para sempre os infortunados. Não é para todo mundo, uma proeza igual a esta! Os marinheiro de Saint-Pierre e Miquelon, porto do qual Maud partiu a observam com olhos arregalados, pois eles conhecem este mar, " eles sabem que é intratável, cruel, caprichoso, imprevisível e sobretudo, que não é feito para as mulheres, como gostam de sublinhar" (AFN,25). * Então, « Não, é uma brincadeira, não é ela? [...] A loirinha ?Não ? é uma loucura ! » (AFN,24). Não é uma questão de braços poderosos, diz ela, mas de vontade e determinação .(PMN,29)Para o senso comum, esta proeza frisa a loucura pura e simples para uma mulher ( ou para os homens igualmente), cuja representação social corrente é de fragilidade e dependência. Mas Maud a faz explodir em mil pedaços: ela se investe totalmente em suas aventuras e não esconde sua angústia e seu medo, o que a torna ainda mais forte e admirável. Tanto se falou dos Vikings ( séculos X, XI) que teriam vindo para a América, tanto se exaltou esta proeza, tão difícil àquela época ! Falou-se também dos portugueses, dos ingleses, holandeses, espanhóis, sobre suas caravelas e veleiros (século XV e após) sobre os mares e oceanos, tanto se admirou sua resistência às dores, fadigas, tempestades, calmarias, falta de água potável... mas eles não realizaram suas proezas individualmente e a remo! ! Maud o fez.
Deem às mulheres a escolha - remos, asas, velas, trenós, camelos, cavalos, rodas - e elas realizarão todas as proezas! Encontramos mulheres efetuando descobertas, explorações, tomando caminhos ainda não percorridos, em todos os campos: basta não criar leis que as impeçam, basta não reduzir seus pés, mutilar seus sexos ou cobri-las de véus, basta não acorrentá-las a um destino biológico, não impedi-las de sair, de dirigir, de estudar, de ser esportivas. Basta dar-lhes a possibilidade de ser cidadãs, sujeito de suas ações, de seus corpos, de sua força, de seu trabalho. E, sobretudo, basta não impedi-las de sonhar, impedir que haja sonhos em seus horizontes. O sonho, para Maud, era o impulso de todas suas proezas. « A felicidade está em muitas coisas, mais perto do que se imagina. Está na realização do que escolhemos. [...] O mais difícil, na realidade, é assumir o que somos, em seguida ter a coragem de realizar seus sonhos, suas escolhas, seus projetos, quer sejam difíceis ou não, sobre a terra, sobre os oceanos, ou por vezes.no quotidiano » (PMN,150). Maud é um ser hígido , mestra de sua vida assim como de seu barco, sofre as incertezas do mar e das correntes, mas sempre com a vontade de vencer, de ir ainda mais longe, de passar além dos limites e das barreiras. Seu sonho é a aventura, a liberdade, o sopro do vento, os respingos do mar que embalaram sua infância. Com efeito, até os 15 anos Maud viveu com sua mãe e seu pai e seus dois irmãos em um veleiro. (PMN,30). O mar é seu domínio e sua alegria. Assim, ela conhece perfeitamente os perigos de suas aventuras marítimas: « Lembro-me terem me anunciado que os dez primeiros dias seriam insuportáveis. É preciso este tempo para dominar o corpo, esquecer seus antigos hábitos de vida, do conforto da terra firme para aprender a suportar os movimentos incessantes do barco e entrar enfim nesta penosa solidão [...] Eu olhava rapidamente os mapas, é incrivelmente longe. Nem acredito que me lancei nesta louca aventura .» (AFN,38-39) O caminho escolhido para atravessar o Atlântico foi o mais difícil, pois é o domínio das depressões geradoras de tempestades, dos ventos que viram de repente, das águas cruzadas, do vento que sopra no sentido inverso da progressão do barco. E além disto, o frio cortante, a bruma, a falta total de sol durante o primeiro mês. Ela narra : « Durante mais de um mês eu estagnei, avancei com dificuldade, depois voltei sobre meus passos. Perco em vinte e quatro horas o que ganhei duramente em mais de quatro ou cinco dias. [...] Em todo este período no qual recuava tanto que quase fiquei maluca, pus-me a remar, seja qual for a hora .[...] quer faça calor ou não e eu remo e remo ainda [...] e cada vez que o vento começa a soprar, é uma desolação ». (AFN)146) Maud parte de Saint-Pierre et Miquelon na costa canadense no diae 13 de junho de 2003 na direção da Europa : ela só chegará à Espanha no dia 9 de outubro ! Quatro meses sobre o oceano mais perigoso, o mais difícil. Mesmo a travessia do Pacífico não será tão complicada. Maud tem 25 anos naquele momento e festejará seu aniversário sozinha no meio das ondas. O que a levava a esgotar suas forças nos remos, hora por hora, dia após dia, quatro meses de solidão? O objetivo sempre longe, tão longe... «Claro, o que realizei é uma proeza física, mas para mim era antes de mais nada uma viagem. Era a liberdade, a verdadeira, aquela de escolher o além dos limites, de lutar para viver o que se tem no coração e de ter enfim esta extraordinária sensação de se realizar .[...] Não tenho o estado de espírito de uma grande esportiva, mas o de uma aventureira, sim, se ouso dizê-lo... Evidente, o caminho que escolhi náo foi o mais simples, mas é justamente isto que o torna fabuloso . » (AFN,116-117) A morte a encara todo o tempo: seu barco vira 17 vêzes em uma só tempestade; há tubarões que a espiam, baleias que avançam sobre ela e mergulham no último instante, navios que não a veem, pequenino ponto perdido no oceano e que quase a atropelaram. O desalinizador que quebra, a água que se acaba e a fome que se instala - a fadiga esmagadora, a falta de sono e omito outros detalhes. Como se apresentam os barcos que Maud utiliza para estas duas travessias? Para a travessia do Atlântico, o barco se chame Pilot, 7,50m de comprimento, 1,60m de largura, um GPS, um telefone iridium, un radar, comida liofilizada, um fogareiro, roupas, dois dessalinizadores, 3 pares de remos, para o caso de necessitar uma troca. Sua cabine tem 1m cúbico e torna-se uma gaiola úmida e sufocante segundo as condições atmosféricas, como explica Maud. (AFN,20) Para o Pacífico, mais ou menos igual, o barco se chama porém Océor, comprimento de 7,50m, largura de 1,60. Mas desta vez temos maiores detalhes sobre o equipamento, como por exemplo uma caixa de ferramentas, 2 balizas Argos, uma combinação de socorro, 1 chaleira, uma linha de peaca, 1 caixa de farmácia, 1 câmera, 3 livros, 1 leitor MP3 e é mais ou menos só isto. Tudo o que necessita para arriscar sua vida sobre as ondas traiçoeiras dos oceanos. 7.300 km para a travessia do Pacífico e mais ou menos o mesmo para o Atlântico. E ela rema sem cessar. « Meu corpo assim mesmo começa a trabalhar, tento esquecer minha cabeça pesada, fecho os olhos, a tensão toma meus braços , em minhas mãos o par de remos busca a água o mais longe possível, minhas pernas tomam apoio sobre o apoio para os pés e empurram energicamente, meus músculos se crispam, os remos plenos de água voltam lentamente para a traseira do barco . [...]Debruço-me de novo e recomeço, incansavelmente o mesmo movimento. Obrigada a obedecer este ritmo monótono, imponho-me o esquecimento de meu corpo, rapidamente, ele prossegue como um robô. Não conto mais os minutos mas as estrelas que se acendem uma a uma no céu sobre mim. » (PMN,56-57) Desde as primeiras linhas de seu livro sobre a travessia do Atlântico norte, sentimos o ambiente: a tempestade que cresce, as ondas de 5 / 6 metros quese quebram sobre o minúsculo barco e pronto! emborca pela primeira vez e que não será a última! « Pilot desce do cimo da onda a e cai no fundo, com um salto. Parece-me ouvi-lo soluçar. Isto não devia ser assim. Oh, não! não desde o início! Não aguentarei nunca três meses desta maneira. O barco se contorce, geme em toda parte, o mar bate e bate e rebate contra a fina parede, não somos mais que um pequeno brinquedo insignificante na mão do oceano, sacudido em todas as direções, projetado sem cuidado por torrentes de água. » (AFN,20) Felizmente, não é todo tempo assim, é difícil de suportar tantas emoções! Ler os livros de Maud é fazer as travessias com ela, é sofrer suas dores, viver o mar agitado e as ondas gigantes, sinto-me à beira de um prcipício sem fundo. Quanto sofrimento ! Maud tem costelas quebradas, o pulso torcido, tem tendinites constantes, as palmas das mãos machucadas pelos remo e assim de repente, o dessalinizador quebra e não há mais água nem para beber, nem para desidratar os alimentos. Durante a travessia do Atlântico norte, já esbelta, Maud perde 10 kg. Sofre tempestades incríveis, que duram às vezes três dias, durante os quais Maud não pode sair de abrigo, sob o risco de ser projetada na água. O barco vira 17 vezes em uma só e terrível tempestade, Pilot suporta, mas com algumas sérias avarias. Dois homens que haviam partido para singrar a mesma rota abandonam a travessia, por causa deste tempo completamente furioso. t (AFN, 133) Ela não. Permanece, apesar de tudo e continua sua aventura. Trinta horas de tempestade. Ondas de 10 m de altura que se precipitam sobre o pequeno barco com sua pequena Maud dentro. « Elas chegavam por trás com um rugido que fazia os cabelos ficarem em pé. Estou tetanizada de medo, cada parcela de meu corpo treme, minha mandíbula crispada, estou à beira do pânico, em plena crise de angústia [...] não posso mover minha perna, grito de dor, de desespero. Não consigo respirar, não há mais ar, tusso, cuspo [...] um medo incontrolável me invade, estou machucada da cabeça aos pés, não tenho nem mesmo a força de abrir a escotilha para deixar entrar o ar. » (AFN,123-124) O mar se torna um ser em fúria, o vento enlouquece, levantando enormes massas de água. Abismos desmesurados se abrem quando as vagas se levantam e Pilot cai, a pique: « Ele corre [...] com uma rapidez vertiginosa, praticamente na vertical, vejo o buraco, o abismo embaixo de nós [...] Estou perdida, totalmente impotente. Está tudo tão negro, a água fria, na boca o gosto da morte [...] » (AFN,126) Por que? Porque este sofrimento ? A aventura é como uma obra de arte, ela não tem um fim em si - é, de fato, a construção de si que está em jogo. Ir além dos limites, esquecimento de contornos do corpo, de semelhanças, dos detalhes de seu próprio rosto, do olhar do outro. Que importa? É o apelo do deserto tórrido, do mar furioso, ou de extensões geladas, ou ainda de montanhas altaneira. É esta natureza que conta. «Interrogo-me sobre as razões que o oceano tem de me conservar à sua proximidade [...] IEle decide tudo, eu só preciso baixar a cabeça, suportar suas mudanças de humor, aguentar suas monstruosas cóleras e me dizer que ele não poderia ficar eternamente aborrecido [...] iEle me tolera desde o dia 13 de junho, abriu-me um estreito caminho, fechando os olhos sobre meus pequenos braços... e minha ´condição de jovem mulher´, como me disse um jornalista um dia . » (AFN,117-118) «O mar não perdoa, tenho clara consciência que não devo acordar a força sobre-humana adormecida em baixo de mim. Sinto-me andando na ponta dos pés, nas costas de um leviatã adormecido. Sei que em breve despertará, é inevitável, mas quanto mais tarde, melhor. » (AFN,116) Na aventura, o esforço, a paciência, a perseverança é que contam, é um quotidiano extenuante, seja na poeira, no calor, no frio, nas multidões , nos problemas burocráticos, barreiras climáticas... Todas estas formidáveis mulheres de aventura que nos fazem partilhar seu caminhar através de seus livros narram o desejo que as habita, este apelo do largto, da grandeza infinita dos horizontes, deste desejo transbordante de liberdade! As dores, a angústia, os perigos, o medo, são apenas parte da aventura. Nada mais. Maud não se envergonha de seu temor, mas sua vontade de aço a sustenta: onde tantos outros abandonaram, ela continua. E ela suporta quatro meses em lugar dos três planejados para a travesseia do Atlântico. Tempo de solidão, de reflexão, de trabalho forçado, mas igualmente de uma beleza indescritível, das noites estreladas, o oceano com mil reflexos prateados, adoráveis lontras que a observam, gestos brincalhões. « Sob meus olhos, cinco longos pescoços emergem. Sou observada. São as lontras [...]Em pequenos grupos elas brincam umas com as outras a cerca de cinquenta metros de mim. Tenho a impressão que a terra desapareceu há uma eternidade, estou só sobre uma gigantesca extensão de água salgada e esta companhia inesperada, minúsculo ponto na imensidão azul que me cerca faz-me bem. Não as perco de vista. O oceano me desvela generosamente uma parte da vida que o anima, quebrando assim meu isolamento. [...] Estes encontros roubados à monotonia do quotidiano fazem parte do maravilhoso desta viagem, desta aventura que tento tornar o mais humana possível .» (PMN,47-48-49) Os golfinhos também vem vê-la e a seguem por um pedaço de caminho, sempre alegres, falando sua linguagem, adoráveis criaturas que nos fazem esquecer os monstros das profundezas! « Alguma coisa soa, em algum lugar[...]Uma dezena de golfinhos que dançam em volta de Pilot. O oceano começou a cintilar. Os grandes golfinhos, provavelmente ´marsouins´ brincam de passar e repassar sob a embarcação .[...] Ponho a mão na água e a agito, eles avançam para me tocar. É elétrico, extraordinário. Tenho o estomago, o coração, o espírito que se enchem instantaneamente de alegria, de leveza, de doçura [...] Eles parecem sorrir, fazem mímicas, ruídos, pequenos gritos engraçados. .[...] após tantas dores, angústia, eles me trazem sobre uma bandeja dourada pelo sol, o reconforto, a alegria e sobretudo a sensação fabulosa de estar um pouco menos só. Estou emocionada por sua ternura.» (AFN, 101-102) Os livros de Maud são imagens vivas de ação : com ela estamos sobre as águas, sacudidas pelas tempestades, com um medo terrível dos tubarões e das profundezas abissais, e eis que os navios passam sem nos ver e quase nos esmagam. As baleias, os golfinhos, as lontras, os dourados, o pequeno pássaro que vem se repousar no barco, tão longe da costa são uma festa. Choramos as lágrimas da chegada e as lágrimas da impotência. É uma aventura fascinante, uma verdadeira mulher de aventura, e estamos com ela. E sua imagem abre a todas as mulheres suas próprias possibilidades, seus desejos de ação, sua auto-representação. Ela mostra às mulheres que sim, podemos realizar nossos sonhos! Não sei se Maud se considera uma feminista, mas ela o é, não há nenhuma dúvida. Ela mostra o que uma mulher pode fazer e partilha sua aventura com colegiais, pela internet, em ligação com várias escolas. Estas crianças não poderão jamais dizer que uma menina não pode fazer isto ou aquilo. Viram, quase ao vivo, do que uma mulher é capaz . Além de se construir como um ser em movimento, Maud transforma a imagem do mundo, pois o "natural" do feminino é totalmente desconstruído por ela. Em visita a um colégio parisiense conta que « As crianças não acreditavam em seus olhos. Eu havia instalado um mapa do Atlântico e trazido minha máquina para fazer água potável e alguma comida desidratada para que compreendessem melhor .[...] Meus olhos se fixam no desenho de uma jovem que escreveu Maud com fotos de sapatos de verniz que havia cortado em forma de letras; isto era uma interrogação suplementar para elas, vestida de mulher, parecendo, estou certa, com suas mães , falava-lhes de naufrágios, violentas tempestades, consertos... E você tem filhas? perguntavam espantados. Como se uma mulher como eu não fosse verdadeiramente uma mulher, que podia ter filhos. Uma mãe não pode ser uma aventureira que atravessa o oceano a remo ! » (AFN,69-70-71) As ações e teorias feministas mudam e modificam, há mais de meio século as relações entre feminino e masculino e colocam em questão o sexo biológico enquanto base da divisão de trabalho, de responsabilidades, de importância social. Com efeito, o biológico que serve de pretexto para criar uma hierarquia entre os sexos não é senão uma construção social fundada na vontade de poder, nos discursos de "verdade" da ciência, da religião, das tradições e costumes e sobretudo das representações sociais assim forjadas, que, de fato, instituem o mundo segundo eixos de poder, definidos como "naturais". Os estereótipos, as normas, as leis religiosas e civis fazem das mulheres seus alvos. Mesmo nas democracias ocidentais, onde as mulheres deveriam ter todos os direitos, elas ganham menos, são minoria nos postos de comando de administração do Estado ou das empresas privadas. E que sejam presidentes ou "do lar" são suscetíveis de sofrer todas as violências ligadas a seu status social de mulher, logo, dominadas / disponíveis / apropriadas. É assim que a metade da humanidade - as mulheres- é ainda atualmente tratada como mercadoria, enquanto corpos a serem uilizados , vendidos, trocados, degustados, cuja força de trabalho é explorada de maneira específica, sancionada pelas instituições tais como casamento e prostituição. As representações sociais são a base das relações humanas pois constroem os seres segundo valores, proposições que tem cunho de verdade. Criam assim um saber que justifica e institui os seres classificados segundo o gênero, a raça, a origem, etc. A partir deste conhecimento estabelecido pelos discursos sociais e pelas imagens assim desenhadas, os homens acham normal a apropriação das mulheres, normal a utilização da violênica e dominação para melhor submetê-las. É assim que a diferença sexual foi estabelecida para definir a hierarquia social, para fundar o poder de uma metade da humanidade sobre a outra. Pois, quando há uma diferença, há seu fundamento, um referente que define os parâmetros e neste caso, é o masculino que os materializa. É junto às crianças, nas escolas, que se pode modificar a noção de "diferença sexual" e isto depende de se deixar às meninas a possibilidade e o prazer da ação, da criatividade , dos estudos, dos esportes e do trabalho. Quando Maud fez sua busca de financiamento , a representação social das mulheres se mostrou uma desvantagem pois certas pessoas contatadas pensaram até que era uma brincadeira : « Lutei com graves preconceitos, contra os receios e dúvidas solidamente ancoradas, até contra minha imagem de jovem mulher. Hoje é o momento de lhes provar que tinham razão de acreditar. Que o hábito não faz o monge e que feminina como estava em meu tailleur e saltos altos, eu podia da mesma forma vencer um desafio audacioso, como o atravessar o Atlântico norte a remo. » (AFN, 42) Duas mulheres foram seu primeiro apoio: Claudine Salmon, de "France Info"e Marie-Claire Pauwels, redatora chefe de "Madame Figaro". Esta última havia decidido, segundo Maud, "ajudar uma mulher a desabrochar em um desafio pessoal" (AFN,43). Claro, depois de sua vitória, todo o mundo afirmou que ter certeza de que conseguiria realizar a proeza! Assim Maud estabeleceu uma nova imagem do feminino, forte, independente, dotada de uma vontade de aço. Ela penetra o imaginário das crianças, muda sua representação das relações sociais de sexo e mostra-lhes que não há uma diferença "natural" de sexos. Ela, cuja imagem é feminina, bela, é também alguém que tem um sonho e que nada pode dissuadí-la de realizá-lo. Os meninos que a veem, que seguem sua aventura na escola, não poderão nunca mais justificar uma atitude de dominação baseada sobre o biológico, sobre uma fragilidade que, com clareza, é construída pelo patriarcado. Maud pode mudar também a vida das meninas que tem, a partir deste momento, um modelo de força e de competência: elas não se deixarão mais envolver pelos discursos sobre uma feminilidade frágil, dependente e submissa. Sua família, suas amigas/os estão a postos para apoiá-la, mas mesmo se lá não estivessem, estou certa que ela prosseguiria seu caminho da mesma maneira. « Obediente aos deuses soberanos do mar e do vento, fugindo do quotidiano, alimento minha necessidade insaciável do maravilhoso, de aventura e de diferença .» (PMN,127) Mas e a viagem? Acho que suas aventuras poderiam ser classificadas de "perigo extremo", quatro meses sozinha e sem assistência para a travessia do Atlântico norte e dois meses e meio para o Pacífico. Maud e seus barcos formam um todo, ela sempre fala de "nós". Quando chega finalmente ao porto, Maud hesita em deixá-los , eles que partilharam tantos perigos, dores, e que se mantiveram firmes, levando-a até o fim da viagem. Ao chegar na Espanha, « O capitão pensava que eu iria subir a bordo. ´Não, não, eu não deixo meu barco. Entraremos juntos no porto e não se coloca a questão que eu o deixe sozinho' .[...] Obrigada, murmurei-lhe antes de cruzar a fronteira dos terrestres. Obrigada por ter me ajudado a chegar até aquil. » (AFN,165) E juntos, seu barco e ela, afrontam os perigos que os perseguem. Durante as duas travessias, Maud é obrigada a mergulhar no mar para raspar do barco os mariscos e algas que bloqueiam o leme; instalam-se até na parte habitável tendo em vista a umidade e o calor. (PMN, 15-105) E isto, nas regiões abissais de às vêzes 10 km, por onde os monstros se escondem. Ela tenta dobrar as pernas, o medo jugulando-a, alerta aos tentáculos ou às mandíbulas que podiam colhê-la. « Sem um ruído, singrando a superfícia do mar, um tubarão-toupeira se aproxima [...] Olho-o fixamente. Meu coração está prestes a explodir em meu peito .[...] Através uma derrisória muralha de água eu escruto, alarmada, o corpo afilado azul metálico desta repentina ameça. Com a visão de seus olhos glaciais, de seus músculos de aço, tenho o sentimento de que ele é invulnerável. Como um lobo solitário em busca de sua presa, ele rodeia o Océor, meu pequenino barco a remo que o movimento faz vibrar. » (PMN,13) Mas nem tudo é horripilante todo o tempo, senão a aventura não teria gosto ou sentido. Há a magnificência do mar, suas cores, suas texturas de água, os pequenos peixes que seguem o barco, as noites estreladas e as águas que brilham de mil cintilações. E há sobretudo este amor pelo oceano que a habita, uma paixão que a faz ver beleza em toda parte : « O oceano torna-se uma pessoa, um amigo do qual narro os humores em meu diário de bordo. Ele é todo poderoso. Seu carisma e sua força me fazem tremer mas seus segredos me fascinam. Apaixono-me, sua beleza me confunde. [...] Estou pasma, cada manhã ao me levantar. São as primeiras luzes alaranjadas do sol que me acordam, abro os olhos e as observo se transformar aos poucos, elas se tornam cada vez mais vivas e ácidas. Bebo estas cores-vitamina gulosamente, torno-me insaciável e sua lembrança imprime-se no mais fundo de mim mesma, isto me ajuda a assumir minha vida quotidiana, rude e dolorosa. (AFN, 78) Claro, o risco é inerente a cada um de meus movimentos, mas que felicidade de estar ali. » (AFN, 75) Estas são aventuras que terminam bem. Maud é recebida com festas, seu nome aparece em todos os mídia, o presidente da republica francesa a recebe, oferece-lhe um cargo ( que ela recusa) e ela retoma sua vida, sempre viva sua paixão pelo mar . . « Esta viagem, é antes de mais nada um sonho, o de viver algo de forte com o oceano [...] Eu tinha um desejo de viver verdadeiramente uma grande aventura. E de viver sozinha, de superar limites. Eu queria ir ao limite de mim mesma , ao cabo de minhas emoções. Ultrapassar meu corpo e seu potencial. E avançar. [...] Nesta aventura, há apenas uma coisa que me faz aguentar e não abandonar: é unicamente minha vontade. » (AFN,63) É isto, a aventura no feminino: a construção de si. Não, ela não pára por aí : en 2006 Maud parte para uma volta ao mundo a vela, solitária e sem assistência. No dia 15 de outubro inicia uma nova aventura de 14 500 km percorrendo os mares do Sul, do leste para oeste, isto é, contra a corrente, como ela adora fazer. Partindo da Ilha da Reunião, passa pelo cabo da Boa Esperança, o cabo Horn, o cabo Leeuwin, com o objetivo de voltar a seu porto de partida cinco meses depois. Mas isto, é uma outra história ! Bibliografia: Fontenoy, Maud.2004. Atlantique, face nord. Paris, Robert Laffont Fontenoy, Maud.2005. Pacifique à mains nues.Paris, Robert Laffont
Estas mulheres de aventura !
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