Para além do perigo, a aventura: Kate Marsden tania navarro swain
Resumo: Kate Maarden foi uma das mulheres de aventura, admirada em seu tempo, esquecida pelos historiadores. Viajante intrépida, para ela o perigo, as dificuldades e o desconforto não diminuaiam seu entusiasmo vendo as milhas vencidas em direção a um objetivo. Kate foi a Sibéria, numa das regiões mais frias e mais distantes de Moscou para verificar as condições de vida dos leprosos, em grande número na região. Não só encontrou-os, disseminados na floresta, como conseguiu obter a construção de um hospital para tratá-los. E esta foi uma de suas aventuras. Palavras-chave: Kate Marsden, aventura, Sibéria, leprosos.
As aventuras de Kate Marsden, flertando com o perigo, tinham sempre um objetivo: minorar o sofrimento dos seres em perdição. De fato quando tomou conhecimento dos horrores provocados pela lepra em vários países, entre os quais a Rússia, seu maior desejo era ir a Sibéria tratar dos leprosos que viviam em condições espantosas. E ela o fez: milhares de quilômetros de trenó, a cavalo, a pé, de Moscou a Yrkutsky. E de lá ainda algumas centenas de Km para encontra-los. Mulher decidida, mulher de aventura. E ela as teve, suas aventuras! Se o percurso fosse feito em voo de pássaro, era preciso contar mais de 4 000 km; evidentemente, com todas as voltas e reviravoltas de seu percurso, pode-se contar mais de 6 000km, apenas de ida. Ela levou dois anos para realizar esta proeza, de 1890 a 1892, em condições de extraordinária dificuldade, como se pode imaginar. Frio extremo no inverno, estradas impraticáveis, equipamento precário; calor no verão, mosquitos, pântanos, abrigos aleatórios e inconcebíveis de sujeira e desconforto.
Caminho percorrido por Kate Suas peripécias são reunidas em seu livro « On Sledge and Horseback to Outcast Siberian Lepers (1893) que utilizo para este texto, em tradução espanhola. De Moscou à Yrkutsky Quem era Kate Marsden ? Uma mulher que não temia riscos e traçava seus caminhos, em pleno século XIX, por excelência o século da misoginia. Sem dúvidas, uma mulher de aventura. Os detalhes de sua vida, como se costuma fazer, quando se trata de uma mulher pouco importa: o que nos prende é seu gosto pelas viagens que dirimia as dificuldades dos meios de transporte lentos e desconfortáveis. Nova Zelândia, Jerusalém, Constantinopla, Bulgária, Rússia, atravessou muitas vezes os mares revoltos do Pacífico e as estepes selvagens do Cáucaso e da Sibéria, sempre em frente, apesar dos problemas e misérias, das quais se queixa, com humor: « [...] al fin, en la casa de postra el trineo se detiene de una sacudida. ‘En aquel momento te encuentras en estado semi-comatoso, en el que te sacan del trineo ; y, en cuanto encuentras pie, te sientes más como un viejos tronco de caoba apaleado que como una dama de buena cuna inglesa”(44)
Kate Marsden Nascida em 1859, Kate começou com 16 anos seu treinamento em enfermagem no Tottenham Hospital em Londres. Em 1877 , com um grupo de enfermeiras partiu para a Bulgária para cuidar dos soldados durante a guerra entre a Rússia e a Turquia. (1877/78). [i] Não tinha ainda 20 anos ! Nesta viagem teve seu primeiro confronto com a lepra, esta doença insidiosa e deformante que, à época, não tinha nenhuma possibilidade de tratamento. Mulher independente, de volta à Inglaterra e durante 6 anos trabalhou em diferentes lugares como enfermeira e em 1884 partiu para a Nova Zelândia para tratar sua irmã doente. As distâncias, aparentemente não a amedrontavam. Lá chegando, logo ficou conhecida como Lady Superintendent do Wellington Hospital, e fundou o primeiro núcleo além mar do St. John´s Ambulance Brigade. A imagem dos leprosos, todavia, continuava a possui-la e candidatou-se para ir a Molokai,[ii] a ilha dos leprosos. Seu pedido foi recusado e Kate decidiu então partir para a Sibéria, ao encontro dos doentes, cujas condições de vida eram atrozes, segundo os rumores. Conseguiu obter o apoio da rainha Vitória que lhe deu uma carta de recomendação para a Imperatriz da Rússia. Esta última recebeu-a, forneceu-lhe fundos para sua viagem bem como uma carta dirigida a todas as autoridades russas para dar-lhe assistência e ajuda em toda circunstância. Esta carta abriu-lhe todas as portas e tornou um pouco menos penosa sua travessia da taiga com a ajuda dos governadores das províncias e altas autoridades da igreja. Para chegar a Moscou Kate foi a a Constantinopla, cruzou o Mar Negro e o Cáucaso para finalmente atingir seu destino. Ela assim se exprime: « Cualquiera que haya viajado por un país extraño durante dos o tres días con sus noches sin detenerse, y que ignore el idioma delos nativos, comprenderá con facilidad mis sentimientos de alivio cuando al fin me dijeron que la siguiente estación era Moscú[...]” (27) Mas ela sentiria saudades desta inconfortável viagem de trem ao se deparar com meios de transporte rústicos nos caminhos que iria trilhar. Animada pelo desejo de aventura que habita as almas indomáveis, Kate partiu para a Rússia sem conhecer a língua, sem ter as informações precisas sobre as direções a tomar nem sobre as etapas e paradas a realizar. Tinha, entretanto, a carta da Imperatriz de todas as Rússias, vantagem preciosa que lhe abriria as portas. O governador de Moscou forneceu-lhe todo o equipamento necessário para a viagem, roupas adequadas ao frio siberiano, provisão, bíblias que ela distribuiria ao longo do caminho e também medicamentos para dirimir as aflições dos leprosos. Em fevereiro 1891 Kate partiu com Ada Field, sua amiga, que falava um pouquinho de russo e que ela chama de « mi amiga y compañera incondicional[... ]» (32) Para se proteger do frio, elas tinham « apenas » 5 camadas de roupas ; para os pés, dois pares de meias espessas, botas russas em tecido e um par de botas para englobar tudo. Além disto, uma espécie de saco de dormir em pele, luvas, etc, etc. (36-37) Kate conta a epopeia para subir no trenó, com todas aquelas camadas de roupa : « No había ningún escalón para ayudarme : lo que había era una multitud de hombres, mujeres y niños observándome. [...]Tres policías musculosos intentarán elevarme con delicadeza hacia el trineo; pero sus esfuerzos combinados resultaran inútiles[...] continuación intenté, de una forma medio majestuosa, medio desdeñosa montarme sin asistencia alguna pero alas! No se doblaran mis rodillas. Me vi obligada a doblegar mi orgullo” (38) Uma vez sentada, não podia quase se mexer, respirar com dificuldade. ; Ada sofreu os mesmo problemas. E que a viagem comece! Desde o início as duas se encontraram à mercê dos meios de transporte improvisados e condutores de trenó mais ou menos sóbrios, os ossos gritando nas crateras do caminho de estradas improváveis. Os abrigos das etapas eram imundos, cheios de insetos, pulgas, piolhos; normalmente todo mundo dormia no chão e por causa do frio não havia ventilação alguma. Era morrer sufocado ou morrer de frio. Kate comenta: « Y ahora, querido lector, permítame introducirlo a este hotel algo ‘primiitivo’ ; Primero debe encontrarse la llave, y después las velas y la cerillas. Tenga dispuesto su pañuelo, se es que pude hallarlo, y deposítelo cerca de sus orificios nasales en el instante en el que se abre la puerta. Las bisagras crujen; y lo primero que te d ala bienvenida es una bocanada de aire caliente y fétido, que casi te tira de espaldas [... ] Las alfombras y las pieles de oveja, ninguna de ellas entre las más limpias de su clase, se encuentran dispuestas en mitad del suelo. En esto consiste la cama. Pero no suponga ni por uno instante que tendrás la posesión exclusiva de la misma. Un rápido vistazo por las paredes ya la cantidad elevada de puntitos negros que se mueven sobre las mismas no tardarán en ahuyentar esa falacia, mientras que la probable llegada de otro tardío viajero te privará incluso del a comodidad de una habitación para ti solo.” (44-45) As estradas precárias afligiam as viajantes. Kate conta com realismo suas penas: “Sacudida, tombo, sacudida, tombo – sobre imensos bodoques de nieve y dentro de agujeros, y subiendo y bajando el temido oleaje [...] Tu cabeza parece pertenecerle a cada parte del trineo; al principio se golpea contra la parte de arriba, después el vehículo d aun bandazo et e das de bruces de forma inesperada contra el lado[...] eres precipitada de forma violenta contra el cochero. [...] Te duele del a cabeza al os pies, te salen moratones por todas partes, tu pobre cerebro palpita hasta el punto de que te rindes a una suerte de lamento histérico. Las vestimentas que cubren tu cabeza se mueve des u sitio,[...] A todo esto hay que añadir los gritos constantes del conductor [...]”(42) Um barulho insuportável na solidão gelada. Neste dia Kate pede ao cocheiro para parar nas cabanas das quais se via as pequenas luzes brilhando : « Que luces ? Esos son lobos ! » respondeu o homem. Infelizmente Ada Field ficou doente na metade do caminho e Kate continuou então sozinha, com seus companheiros eventuais, frequentemente bêbados como reza a tradição russa. Entretanto, ela não tinha medo, mulher do valor de uma Ella Maillart, de uma Isabelle Bird, de uma Anita Conti, de uma Helen Thayer. ( ver dossiês “mulheres de aventura” em diferentes números de Labrys) Kate tinha um objetivo preciso : encontrar os leprosos abandonados na taiga de uma das regiões mais selvagens e rudes da Rússia e levar-lhes socorro. E viver a aventura, a não importa qual preço. O clima social O século XIX viu as mulheres partir para a exploração do mundo, sobretudo na África e no Oriente.[iii][1] ; o desconhecido, a diversidade, a face do Outro as impeliam a partir, a se aventurar. Nada as detinha. Era a época das sufragistas, dos movimentos de mulheres que reivindicavam seus direitos, entre os quais o de votar; elas não aceitavam mais ser julgadas inferiores, nem serem vistas como desprovidas de senso crítico, de razão ou de capacidade de análise política, como queriam estes “senhores”. A imagem das mulheres frágeis, as representações da “mulher”, no singular, a dominada, a doméstica, a inferior foi criada e disseminada para privá-las de direitos elementares de cidadania. De fato, os homens se davam o direito de julgar o intelecto e as capacidades das mulheres ao mesmo tempo em que as impediam de estudar, e jugulavam suas possiblidades de demonstrar suas aptidões. Utilizavam a força e a violência, criavam leis para impedir as mulheres de se manifestar e exigir direitos. Decidiram que as mulheres eram fracas de espírito e de raciocínio e esta afirmação tornou-se verdadeira pelo único fato de sua enunciação: já que é afirmado, é verdade. Mas o assujeitamento a esta imagem não atingiu todas as mulheres, ao contrário: é a violência material, simbólica, jurídica do patriarcado que se impõe, a conivência entre os homens para empregar a força contra os movimentos de independência das mulheres que as freava em seu desejo de liberdade. Mas nem todas, longe disto. Na verdade, é uma lenda acalentada pelo imaginário e discursos patriarcais que se renovam para instituir a « normalidade » da submissão das mulheres. A história, memória social, tem sido o bastião das pretensas prerrogativas masculinas, pois suas narrativas não procuram detectar a infinita complexidade das formações sociais; ao contrário, no que diz respeito à instituição do sexo e da sexualidade enquanto eixo principal das relações humanas, a história sabe apenas reconduzir o Mesmo, a eterna hierarquia entre mulheres e homens e a heterossexualidade “natural”. Enquanto historiadora, considero que a história deve, antes de mais nada, colocar questões, examinar o que lhe é próprio: a historicidade que presume uma multiplicidade de valores, normas, papéis, definições do humano. O biopoder se desenvolve sobre a ideia de “natureza”, sobre um pressuposto hierárquico cujas raízes se plantam no vazio. No fim do século XIX foi fundada a União nacional para o sufrágio das mulheres na Inglaterra por Millicent Fawcett; em seguida, no início do século XX ( 1903) uma outra organização, a União social e política das mulheres travou uma luta virulenta para o voto feminino, encabeçada por Emmeline Pankhurst, militante radical oriunda de Manchester, já implicada no combate política com suas três filhas, Christabel, Sylvia et Adela.[iv] Uma luta sem trégua, até 1918 quando, durante a primeira guerra, as mulheres britânicas alcançaram o direito de voto, a partir de 30 anos; somente em 1928 tiveram direito de voto igual ao dos homens, com 21 anos. As mulheres serviram para participar ao esforço de guerra, para arriscar suas vidas no front, como espiãs, enfermeiras, jornalistas ou condutoras de ambulâncias, mas não para ter direitos políticos. Kate Se um grande número de mulheres resignou-se a esta imagem, muitas outras escolheram seus caminhos e tomaram seu destino em suas próprias mãos. Kate Marsden foi delas um exemplo. Os confins do mundo estavam ao alcance de seu desejo de aventura e não eram as vociferações de alguns energúmenos sobre as mulheres que iriam impedi-la de aplacar sua sede de viagens e aventura. Entretanto, ninguém está totalmente fora das condições de produção de seu tempo: Kate atrelou seu desejo de viagem à vontade de acudir os seres mais miseráveis. Neste sentido, obedeceu ao que chamo de “dispositivo amoroso”. Retoma para este conceito a noção de dispositivo [v] definida por Foucault para designar as injunções que constroem o feminino, não somente à época de Kate mas constantemente reinterpretado para melhor modelar o feminino segundo as épocas e as resistências das mulheres. Assim, em torno do amor, do cuidar, da sensibilidade, do dom ilimitado de si, se espraia o dispositivo amoroso, articulando o papel das mulheres à imagem da “verdadeira mulher”, cujo destino é se ocupar de outrem, das crianças, dos doentes, dos velhos. Este dispositivo terá mais ou menos força e ingerência na experiência das mulheres, mas tem sido retomado regularmente e imposto pela força ou pela persuasão segundo o domínio do patriarcado sobre a construção e a hierarquização dos gêneros. Kate afirma seu desejo de ajudar os mais desprovidos de tudo, e em neste u caso, os leprosos. « Sin embargo, qué ocurría con los leprosos que se encontraban en las regiones más distantes e incivilizadas del mundo, quién se ocupaba de ellos? Qué classe de atención médica recibían? Qué dulces cuidados provenientes de una mano femenina calmaban sus sufrimientos?” (24) Se Kate dobrou-se a este dispositivo, ela ultrapassou-o e muito. Seu objetivo, de fato, era descobrir um tratamento eficaz para a lepra, visando a cura desta horrível doença. Havia, segundo ouvira dizer, uma erva que poderia dirimir a força desta ou mesmo curá-la completamente e a busca desta erva a fez atravessar a Rússia. Prisões : do Tzar aos bolcheviques A caminho, Kate visitou várias prisões do Tzar, uma ou duas passáveis , mas a maioria em estado deplorável, abrigando prisioneiros em espaços reduzidos, com trapos à guisa de roupa e uma alimentação infecta. Ela distribuiu bíblias, chá, açúcar, aterrada com as condições de vida dos prisioneiros e das longas caminhadas que eram obrigados a fazer na neve e no frio terrível. Na prisão ou em seu lugar de trabalhos forçados, passavam a viver como sardinhas, sem quase poder se mexer em suas celas. “ Al viajar de un lugar a otro, uno se acostumbra a encontrarse con grupos de hombres y mujeres agotados en su marcha [...]Lo primero que se divisa en la distancia es una masa negra de gente, [...]aún mas cerca, puede oírse el clamor distintivo del as cadenas, y no tardamos en alcanzar al grupo.”(86-87) Havia também mulheres nas prisões, mas outras seguiam seus maridos no exílio com crianças, que sofriam as mesmas condições. (988) Como sobreviviam estas mulheres, no frio, sem trabalho, a condenação dos maridos pesando igualmente sobre seus ombros na miséria e na desventura? Kate nada diz sobre seu destino. Kate entra nas celas, no escuro, para distribuir chá e açúcar, sozinha, apenas com uma vela. “ Dentro estaba tan oscuro que solo podé escuchar las cadenas arrastrándose mientras los oficiales llamaban la atención del os prisioneros. Pero sentí que estaba rodeada de seres humanos, y que, en efecto, había noventa de ellos empaquetados en este agujero, sin la más mínima ventilación.[...] Se quedaran mirándome, sorprendidos de ver a una mujer sola entre ellos.[...] pero me sorprendió que no me asesinaran en su desesperación[...] En lugar de asesinarme, me besaran las manos[...]” (85) Com efeito, as prisões do Tzar não eram modelos de ressocialização para os condenados. Todas as classes ali estavam misturadas, dos nobres aos camponeses, dos prisioneiros políticos aos criminosos comuns; inocentes ou culpados, purgavam as penas que podiam ir de alguns anos à perpetuidade. Uma vez a pena cumprida, eram deportados para viver nos obscuros cantos da Sibéria, sem recurso algum para sobreviver. Pierre Kropotkine [vi] descreve as prisões do Tzar e expõe as sevícias, as habitações carcomidas e superpovoadas, as privações, as doenças, o poder infinito dos guardiães, o arbítrio das condenações; de fato, as prisões eram um local de deportação cuja finalidade consistia em realizar com baixo custo a produção no imenso território siberiano. Com pouco menos de 30 anos após Kate Marsden ter atravessado a Sibéria, o governo bolchevique, oriundo da revolução de 1917, não apenas não aboliu as prisões tzaristas mais passou a utilizá-las sistematicamente: os campos de concentração, instalados nas regiões do extremo norte para onde eram enviados à miséria e ao exílio todos os “revisionistas” segundo as condenações fixados segundo arbítrio total. A pena, de 10, 25 anos era muitas vezes renovada. Mesmo que fosse considerada terminada, o exílio e a miséria tinham a tarefa de aniquilar os condenados. As mulheres, além da condenação, sofriam os estupros e o assédio sexual, não somente dos guardas, mas também dos prisioneiros. « À partir de l'été 1918, les dirigeants bolcheviques expérimentent un instrument de répression inconnu dans la Russie tsariste, le « camp de concentration ». Le 8 août 1918, Trotski ordonne la création, à Mourom et à Arzamas, de deux camps pour « les agitateurs louches, les officiers contre-révolutionnaires, les saboteurs, les parasites, les spéculateurs [qui y seront internés] jusqu'à la fin de la guerre civile ». Le lendemain, Lénine télégraphie au comité exécutif de la province de Penza : « Enfermez les koulaks, les popes, les gardes blancs et autres éléments douteux dans un camp de concentration. D'août 1918 à avril 1919, ces camps fonctionnent, sans aucune base légale, comme des camps d'internement administratif préventif où sont enfermés, généralement en qualité d'otages, les « éléments socialement dangereux ». [5] O campo de concentração nas ilhas Solovetsky )1921-1939) [6]no arquipélago do Mar Branco foi um exemplo? Criado em 1920, por Lenine, (também criador da Tchéka, a primeira polícia política do regime), em um antigo monastério tornou-se o local de aprisionamento dos contrarrevolucionários, dos “traidores”, dos dissidentes. Estes campos inauguram um sistema paroxístico de assujeitamento da população do império soviético, fundamento da exploração dos territórios longínquos e difíceis de atrair uma mão de obra livre. Foi assim que as minas de ouro e outros metais, necessários à indústria soviética, começaram a produzir na parte extrema do oriente da Sibéria, o norte do Norte, a temível Kolyma como último campo da morte, onde o trabalho escravo se fazia a -50 graus no inverno. ( ver mapa) Gulag locations map — in the former Soviet Union. 1923 - 1967 http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gulag_Location_M http://www.fonjallaz.net/Communisme/Represii/Camp-travail-force/index.html Campos de concentração onde as condições de vida flertavam com a morte constantemente foram criados de maneira exponencial graças à deportação maciça para a Sibéria dos povos dos países invadidos pelos bolcheviques, dos prisioneiros de guerra alemães ou russos ( os ex-prisioneiros dos nazistas eram considerados traidores), de associais, de “contrarrevolucionários”, dos “inimigos da revolução”.. [7] Este sistema de instalação de campos de concentração ou de reeducação ( como gostavam de disfarçar a realidade) foi exportados para todos os países comunistas, inclusive aqueles que não faziam parte do império soviético: Vietnam, Camboja, Coréia do Norte, Cuba). Baseava-se no terror, na delação, nas prisões arbitrárias, nas execuções sumárias, nos trabalhos forçados em condições extremas. Anne Applebaum,( Gulag, a history, 2004) que escreveu uma minuciosa História do Gulag, estimou que, segundo os documentos compulsados, 18 milhões de pessoas passaram pelos campos de concentração, desde o início da revolução até a morte de Stalin. . (Applebaum, 2005). Evgenia Guinzbourg (1967 : Le Vertige, édition du Seuil : Le Ciel de la Kolyma, (ouvrage posthume) et Varlan Chalamov,( 2003,Les récits de la Kolyma:Verdier) que viveram nos campos durante 20 e 17 anos respectivamente, dão uma imagem espantosa da vida dos condenados. De fato, Stalin nada inventou durante o Terror de 1937, ele apenas exacerbou o processo, inaugurado em 1920 ou mesmo antes. As prisões do Tsar , em sua escala, não foram nada em comparação aos campos de concentração soviéticos, voltados para o trabalho forçado e o despreze do humano.[8] De volta à viagem : mais próximo, ainda tão longe... Era a época do degelo e o trenó não representava mais um meio de transporte adaptado. Kate comprou então um tarantas , espécie de carruagem russa, sobre 4 rodas, com tração animal. As negociações da compra foram rudes, pois os vendedores pediam preços inconcebíveis! Pode-se imaginar a cena, Kate gesticulando e pechinchando sem mesmo falar a língua. « Mandé a tomar viento fresco a todos los hombres con sus vehículos, denegando de forma enérgica con mi cabeza y repitiendo ‘No’” (95) Finalmente, com seu tarantás, Kate toma o caminho para Yrkustsky, em estradas onde a lama misturava-se a uma fina camada de gelo, o que era péssimo para o veículo; ficou muitas vezes bloqueada com o taranás caído em crateras escondidas pelo gelo.( 97) Kate conta : “ Las carreteras en este momento del año se encuentran en condiciones pésimas; un campo labrado, que contenga un buen número de surcos, es la descripción más cercana que puedo ofrecer.”(96) Era preciso, além disto, atravessar riachos e rios muitos largos, sem estar segura da solidez do gelo. O tarantas não possuía mais conforto que o trenó e Kate se queixa, sempre com humor, de um real sofrimento: “Ahora bien, una vez que estás acomodado en el tarantás, cargado con todo tipo de paquetes, sobre los cuales estás echado, tienes que decidir, antes de ponerte en marcha durante unas mil millas más o menos, que será valiente y paciente, así como resignado.[...] El propio cuerpo comienza a quejarse después del lapso de otra hora o dos;[...]Te duelen las extremidades, los músculos, la cabeza y lo peor de todo, tus órganos internos. ‘Reumatismo de tarantás’, es el mal que tendrás que sufrir durante esta mil millas” (97-98) Bem ou mal ela chega a Yrkystsky, à beira do lago Baikal, onde se encontrava a sede do Governo Geral da região; foi ocasião de fazer uma pausa. O descanso era mais do que necessário pois apenas a metade do caminho havia sido percorrido. Até a próxima etapa, Yakutsky, muitos e muitos quilômetros e obstáculos a aguardavam. O governador geral, que a recebeu muito bem, organizou imediatamente um comitê para discutir a situação dos leprosos e as medidas a serem tomadas. Talvez a melhor maneira de nada fazer. Kate não teve ilusões sobre a ação deste comitê que decidiu, finalmente, esperar a volta de sua visita aos leprosos para tomar medidas de auxílio. Com efeito, segundo as informações que ela recolheu, desde 1827 se pensava em medidas para socorrer os doentes. Ou seja, quase 60 anos de burocracia e papelada sem nenhuma ação efetiva. Kate descreve o lugar : « Yakutsky es el lugar más frío del mundo. Durante ocho meses al año la temperatura normal es de 45 grados bajo cero. El suelo se encuentra helado a treinta pies del subsuelo, y los bosques son escenarios del a mayor desolación. El calor durante el verano es tan enorme que millares de mosquitos y de moscas infectan el aire, torturando tanto al os hombre como a las bestias, y atacando en especial la heridas abiertas del os leprosos[...] (113) Kate não conhecera Kolyma, bem mais ao norte, local dos campos mais temidos, criados pelos bolcheviques, onde viviam e trabalhavam milhares de deportados/as, mal alimentados e mal vestidos para um clima de frio extremo. Depois de Yakutsky Kate percorreu ainda um longo trecho para o norte, em trilhas mal traçadas, de barco, a pé, a cavalo ela que nunca havia montado antes. Já era verão e os mosquitos, os pântanos, as viagens de barco sem abrigo, as chuvas torrenciais, produziram uma imensa fadiga que a fazia dormir sobre seu cavalo e assim, de vez em quando cair. Para chegar a Yakutsky, Kate viaja três semanas em um navio de carga, sobre o rio Lena. “ La barcaza (pauzok) que nos transportaba, era poco más que una balsa con una sobrecubierta, que en teoría estaba destinada únicamente al transporte de mercancías [...] Me vi obligada a dormir entre la carga, y durante las tres semanas que duró el viaje lo pasamos realmente mal.” (115) E finalmente, Yakutsky ! Uma província de mais de 4 milhões de km2, a metade do Brasil, povoada por 250 mil habitantes. Kate explica que 2/3 da população era da tribo Yakut, mas havia outras tribos nômades, como os Tungus, os Tchuckchis, os Anauls, os Yakaghis e os Tchvasht. A província estava dividida em distritos, os uluses, cada um com várias comunidades autóctones. Como não havia um caminho propriamente dito a seguir, esta parte do trajeto foi extremamente penosa, apesar da beleza das imensas florestas boreais, milhares de lagos e rios, povoados de toda sorte de animais na época ainda abundantes: ursos, renas, cervos, alces, lobos e tantos outros. (120) As comunidades encontravam-se distantes umas das outras e Kate achou em Yakutsky habitantes taciturnos, apesar de hospitaleiros ; para ela, a cidade de tinha uma « apariencia triste y moribunda. » (122) Durante o inverno, a socialização se tornava difícil e o baralho ocupava longos períodos do dia. Os comerciantes vinham abastecer a região uma vez por ano, com víveres e medicamentos. (123) Kate nota que: “A los ocho en punto las casas se cierran a cal y canto, y no hay entretenimientos ni recreaciones. La temperatura invernal es de unos 45 grados bajo cero, y el aire se llena de niebla y brumas [...] No sale el sol hasta las diez o las diez y media, y a las dos ya es noche cerrada; y este estado de cosas continua durante ocho meses al año.” (122) Antes do comunismo estes povos eram nômades e viviam da criação de renas, segundo seus hábitos ancestrais. Quando Kate chegou, habitavam yourtes de madeira, cujos interstícios eram preenchidos com lama e excremento do gado. http://yakoutie.files.wordpress.com/2013/07/dsc01563.jpg Com a sedentarizarão imposta pela força pelos comunistas, perderam aos poucos seus costumes, seu modo de vida, a substancia que os fazia interagir com a natureza e suportar com independência as condições extremas de seu país.
La ville fin XIX, début XX siècle Hoje a cidade é a capital da república de Sakha. Por avião, é preciso 6 horas de voo desde Moscou para chegar a Yakutsky. Esta repousa sobre uma camada de permafrost de 300 metros de espessura e as temperaturas vão de 40 graus positivos no verão a -60 no inverno. A Yakutia atualmente assegura 100% da extração de antimônio da Rússia, 98% de diamantes, 40% do estanho e 15% do ouro. Estas minas foram instaladas e exploradas pela maõ de obra dos deportados, que criaram a riqueza do império soviético. Kate não se deteve para admirar as paisagens ou descansar na beira dos riachos cantantes. A lepra se espalhava especialmente no distrito de Viluisk e para lá chegar era necessário ainda percorrer 3000 verstas ( 1067 metros = 1 versta) num trajeto de ida/ volta. Com o auxílio das autoridades e a boa vontade dos habitantes, Kate organizou sua caravana composta por 15 homens e 30 cavalos. (127) Ela era a única mulher. Era uma etapa das mais dura, a cavalo, os homens abrindo caminho com facões, os espinhos, as montarias que tropeçavam na raízes ou se afundavam na lama acima dos estribos. E o calor! E os mosquitos! Era verão, época da propagação de todos os insetos adormecidos durante o inverno, sedentos de sangue, que entravam nos interstícios das roupas. Para atingir a região onde moravam os leprosos era preciso percorrer milhares de km em zigzag pois estavam espalhados no imenso território da Yakutia. Kate décrit ainsi l´équipage : « Nuestra caravana era bastante curiosa. Consistía en quince hombres y treinta caballos.[...] Llevaba puesta una chaqueta con las mangas muy largas, con la insignia de la cruz roja sobre mi brazo izquierdo. Además, tenía que llevar pantalones hasta las rodillas. El sombrero era una gorra de cazador [... Llevaba un revolver, un látigo y una pequeña bolsa de viaje echada sobre el hombro.” (127-128) As picadas de mosquito e outros insetos faziam inchar as partes afetadas e sua voracidade era tal que as crinas dos cavalos ficavam sanguinolentas. O calor e a humidade eram insuportáveis, sobretudo toda vestida, para evitar os mosquitos. (133) O solo, pantanoso após o degelo, tinha imensos buracos cheios de lama, onde caíam os cavalos todo o tempo. Kate dormia toda vestida, de botas e além de tudo a alimentação era precária. A viagem se fazia muitas vezes à noite, para evitar o calor e os insetos. Tempestades, fogos na floresta, cavalos que disparam, provisões que se perdem, Kate viveu todas estas experiências durante seu périplo. « Atravesando los bosques, cayendo en las ciénagas, acampando por la noche, las plagas de mosquitos, dormir de vez en cuando en yurtas asquerosas y sucias, repletas de bichos de todas clases, mi propio cuerpo tan dolorido que en ocasiones no podía ni desmontar, teniendo que ser ayudada a bajar al suelo, mi ropas en ocasiones mojadas a causa de la lluvia, y sin posibilidad alguna de quitármelas para secarlas.” (142) Montada, Kate desmaiou várias vezes, caindo do cavalo, corpo machucado, brilhante do calor, rosto deformado pelas picadas de mosquito. Quanto chegou ao distrito de Vilusik, onde se concentravam a maior pare dos leprosos, era preciso ainda andar muito, pois estavam disseminados nas partes mais profundas da floresta. De barco em primeiro lugar, em seguida 1 500 km em uma trilha aberta e assinalada pelos homens que a precediam. (155) E finalmente encontrou-os: aqui uma yurte (tenda típica) com duas ou três pessoas, ali mais algumas e assim por diante, ao longo do caminho. Para socorrer o maior número possível, ela percorreu um total de cerca de 2 000 km de barco em um afluente do rio Lena, e ainda a cavalo e a pé. As condições de vida dos leprosos ultrapassavam todas as descrições que havia ouvido, pois à extrema miséria se acrescentava os horrores da doença. Cenas dantescas. Ao primeiro sinal de lepra, as pessoas, sem distinção de sexo ou idade eram expulsas das aldeias para nunca mais voltar. Recebiam alimentos regularmente, mas peixe podre era o melhor que lhes ofereciam. (187) Muitas vezes sem mãos ou pés, as faces destruídas, os corpos cobertos de feridas cheias de moscas, viviam em tendas imundas, insalubres, sufocantes no verão e glaciais no inverno. E claro, havia crianças, que ainda estavam sãs, ainda que nascidas nestas condições. (157-184) É claro que os homens, mesmo caindo aos pedaços exigiam favores sexuais. Pode-se imaginar as violências enfrentadas pelas mulheres entre as mãos dos homens doentes. Kate foi a seu encontro, sem medo de contaminação e distribuía tudo que podia, roupas, comida e sobretudo a esperança da construção de um hospital para deles cuidar. Às vezes percorria 70 milhas por dia, com pouca comida e pouco descanso. “ [...] teníamos pan negro y seco que ya atenía dos meses. En lo que concierne al agua, nuestra única fuente eran los lagos pequeños de agua estancada. El color era de un marrón oscuro, y el hedor abominable; y aún así la aceptábamos como una amiga, y bebíamos de ella como solo los más sedientos pueden hacerlo. Aún me maravillo al pensar que aquel líquido non os matara” (188) Em muitas ocasiões Kate pensou em abandonar a jornada, mas sempre retomou seu caminhar. Certa vez, o cansaço era tal que voltou a Yakustky em uma maca, dormindo 24 horas seguidas. (189) Em sua narrativa, agradece a gentiliza dos yakuts, sempre prontos a ajuda-la nos longos trajetos, sem jamais receber pagamento. Única mulher entre todos estes homens, nunca foi incomodada por avanços ou falta de respeito. (190) Deram-lhe amostras da erva que supostamente curaria a doença, que se revelou sem efeito probatório. Uma vez findas suas visitas aos leprosos e escolhido o lugar para o futuro hospital, Kate fez o caminho inverso para Yrkutsky, em uma barca repleta de famílias de mineiro. Só esta viagem durou 3 semanas. Recebida pelo governador geral, começou sua cruzada para a construção do hospital destinado aos leprosos da Yakutia. Para retornar a Moscou, o caminho estava em melhor estado que na vinda, as casas das etapas haviam sido ligeiramente limpas, pois o Grande Duque anunciava sua viagem de inspeção. Mas as dificuldades estavam sempre presentes: quebra do transporte, preços inflados mas Kate, conhecendo umas 12 palavras de russo, pechinchava. (197) Acidentes, colisões, o retorno não foi mais calmo que a ida. (199) “ Durante una parte de este viaje me vi obligada a desplazarme en trineo bajo. Tenía que ir medio tirada, medio entada, mientras que el cochero se colocaba delante de mí, con el peligro de caerse sobre mi persona e el trineo pasaba sobre un socavón.[...] Esta forma de viajar era lo suficientemente mala durante el día, pero por la noche era considerablemente peor [...].” (199-200) Chegando a Tomsk, a cerca de 1/3 do caminho para Moscou, Kate persuadiu algumas religiosas a ir cuidar dos leprosos na região de Yukatia. Em Moscou, cinco enfermeiras mostraram-se igualmente dispostas aos doentes se dedicar (217) Kate ainda suportou noites passadas em cabanas de camponeses, dormindo sobre a palha infecta, junto com toda a família e os hóspedes eventuais. No caminho de volta, ela comenta : “ Al fin llegué a Tiumen en condiciones lamentables. Entre la exposición al frío más terrible, así como a los calores tropicales, y todas las fatigas del os meses anteriores, con los constantes traqueteos, el descanso discontinuo, y la escasez de comida, me encontraba a estas alturas, como suele decirse, ‘acabada’” (203) Em Tomsk, uma alegria : Kate reencontra sua amiga Ada Field, companhia querida para o resto da viagem. “La poca vida que me quedaba fue salvada de la muerte por el incesante cuidado de mi amiga. Cuánto agradecí al Señor de que mi compañera estuviera conmigo de nuevo! ”(204) Entretanto, continuou ainda seu périplo : conseguiu que os leprosos da região de Samara fossem retirados da floresta para receber moradias individuais e adequadas. (205) Médicos se interessaram igualmente a ir estudar a doença in loco, trazendo assim mais possiblidades de tratamento aos doentes. (202) Quando chegou a Moscou, Kate não descansou. Três dias depois está indo para São Petesburgo e os 4 meses seguintes são dedicados à divulgação de sua viagem para que seja conhecida a condição inumana na qual viviam os leprosos; a imperatriz, a condessa Tolstoi, os jornais, a igreja, o departamento de medicina, a sociedade de dermatologia e de doenças venéreas de Moscou, o hospital Miasnitski, (217-218) todos decidiram reunir fundos e criaram planos para estabelecer uma colônia que abrigasse os leprosos da Yakutia. Entre Moscou e São Petersburgo, Kate conseguiu levantar os fundos necessários para fundar a colônia já planejada. Deveria ter 10 casas, cada uma abrigando dez doentes, com uma horta, duas vacas e um estábulo; dois hospitais, um feminino outro masculino, uma igreja, uma casa para as irmãs enfermeiras, uma para o padre, uma para as oficinas (212-213) e um forno para cozer o pão. As famílias poderiam ficar juntas, senão homens e mulheres estariam separados. E a colônia foi assim construída. Inaugurada em dezembro de 1892, dois anos após a viagem de Kate Marsden, e esta colônia existiu até 1960. Foi a primeira na Sibéria e representou o primeiro passo para erradicar a lepra na região. Este sucesso não diminuiu seu entusiasmo: fundou em Londres o St. Francis Leper Guild em 1895 e fez inúmeras conferencias na Europa e Estados Unidos para levantar fundos e continuar o trabalho com os leprosos. Sempre viajando, sempre em movimento. [9] Kate Marsden foi eleita Fellow of the Royal Geographical society, círculo seleto de exploradores e cientistas e recebeu numerosas provas de reconhecimento por seus esforços na proeza que constituiu sua viagem a Sibéria. Sua coragem e espírito de aventura foram louvados em toda parte, sobretudo o objetivo de sua viagem, prestar auxílio aos leprosos da Yakutia. Em nossos dias, ninguém mais ouve falar de Kate Marsden, pois a história esquece rapidamente as proezas das mulheres. A questão se coloca mais uma vez: o que impele estas mulheres, cuja coragem é sem limites, para realizar tarefas, conquistar objetivos, viver um destino arrancado ao papel da “verdadeira mulher”? O desejo de liberdade, sim, de quebrar barreiras e muralhas que as cerceavam cada vez mais enquanto mulheres. Mas também o desejo da descoberta: que paisagens, que horizontes, que animais, que relações humanas a descobrir, a observar, a contemplar, que mudanças trazer ao conhecido, o vivido de seus países? Enquanto historiadora feminista, estas mulheres me fascinam pois abrem aos olhos o imprevisto, o inesperado, nas condições de possibilidade e de imaginação que tem sido sempre reduzidas à repetição do Mesmo, se não buscarmos o que se esconde nas brumas das narrativas históricas. Elas fazem surgir a história do possível, a realidade da ação das mulheres no mundo, sempre velada pelos discursos masculinos. Tudo se passa como se as mulheres não tivessem realizada nada além de procriar e viver na domesticidade; entretanto, a história feminista mostra que o pape da “verdadeira mulher” não foi sempre incorporado ou mesmo existido como querem nos fazer crer. As mulheres de aventura mostram que havia, em um passado mais recente, apesar das leis, da violência e dos interditos, brechas que podiam ser alargadas e permitir às mulheres a realização de seus desejos, de suas proezas, de se situar no mundo e de agir enquanto sujeito político. Em um passado mais longínquo, do qual sabemos muito pouco ou quase nada ( com exceção das narrativas patriarcais que reduzem tudo à guerra e ao sexo), os percursos das mulheres de aventura abrem ao pensamento uma gama infinita das possibilidades do humano; a própria existência da divisão sexuada e binária pode ser posta em questão quando se quebra os grilhões imaginários do “natural”. As normas e as descrições das formações sociais não são senão o reflexo de um patriarcado que não pretende expor seu nome, mas que se estabelece em todos os rincões. Desafiar as interdições, é a palavra de ordem. Abrir o pensamento ao impensável para o patriarcado é o caminho a seguir. Kate Marsden lutou por seus princípios, por seu desejo de se colocar como sujeito de ação, sujeito de seu destino. Sua coragem e persistência durante a viagem a Sibéria, exaustiva mas rica de experiências, desapareceram nos discursos dos historiadores sobre os viajantes, sempre conjugados no masculino; falta-lhes o gosto de rasgar os véus, de partir à descoberta no real na história do humano, tão ancorados neste poder patriarcal que lhes outorga todos os direitos. E, sobretudo o direito de impor uma só maneira de pensar. Para além do patriarcado, as mulheres de aventura nos encorajam com suas histórias de força, coragem, prazer na ação, no traçar e percorrer trilhas desconhecidas, ao sabor dos ventos que sacodem as folhas e levantam a neve, mas também varrem as sujeições que aprisionam o imaginário. Para além do “natural”, a aventura! Références Marsden, Kate. 1893 (1ère édition), 2011 En trineo y a caballo hacia los leprosos abandonados de Siberia. Zaragoza: Perspectivas Weitz, Margaret Collins, 1995. Les combattantes de l´ombre, histoire des femmes dans la Résistance, Paris : Albin Michel Pierre Kropotkine, 2009. Dans les prisons russes et françaises, Editions le Temps des cerises, Paris : traduit du russe par Philippe Paraire. 287 pages, Foucault, Michel. 1988. Microfísica do poder, Rio de Janeiro: Graal. Cap. “O dispositivo”
Notas [1] Pour des détails de cette guerre , voir . http://guerras.brasilescola.com/seculo-xvi-xix/guerra-russoturca-preludio-i-guerra-mundial.htm [2] http://femmes.durable.com/a-les-suffragettes [3] Les exemples sont nombreux:Jane Dieulafoy, Gertrude Bell,Alexandrina Petronella Francina Mary Rinehart, Ida PfeifferAgnes Cameron, Louise Boyd, Amélia Earhart, Bessie Coleman, Karen Blixen, Maillart, et une infinité d´autres femmes d´aventure. [4]“ Par ce terme, j´essaie de marquer, em premier lieu, un ensemble décidément hétérogène qui englobe discours, institutions, organisations architectoniques, décisions réglementaires, mesures administratives, énoncés scientifiques, propositions philosophiques, morales, philanthropiques. En somme, le dit et le non dit son les éléments du dispositif. Le dispositif est le réseaux qui peut s´établir entre ces éléments. (traduction libre) [5] http://www.universalis.fr/encyclopedie/goulag/1-le-goulag-avant-le-goulag/ [6] http://www.fonjallaz.net/Communisme/Represii/Solovki/ voir également http://monderusse.revues.org/6739 Nicolas Werth, L’île aux cannibales [7] voir, entre autres, Guinzbourg, Evgénia S.2005. Le ciel de la Kolyma, tomes I et II ; Buber-Neuman, Margarete, 1949Déporté en Sibérie :Seuil, Paris ; Bauer, J.M.2004. Aussi loin que mes pas me porteront, Paris :Phébus et bien sûr, Soljenitsin, A. 1976, Arquipélago Gulag, RJ : Difel [8] Varlan Chalamov, qui a passé 17 ans de sa vie dans le Goulag soviétique en brosse un tableau bien vivant dans les 1500 pages de ses « Récits de la Kolyma ».2003, Paris : Ed. Verdier [9] http://rnjournal.com/journal-of-nursing/an-outstanding-journey-of-a-british-nurse-to-the-yakut-lepers-in-si [1] Les exemples sont nombreux:Jane Dieulafoy, Gertrude Bell,Alexandrina Petronella Francina Mary Rinehart, Ida PfeifferAgnes Cameron, Louise Boyd, Amélia Earhart, Bessie Coleman, Karen Blixen, Maillart, e uma infinidade de outras mulheres de aventura.. [i] http://guerras.brasilescola.com/seculo-xvi-xix/guerra-russoturca-preludio-i-guerra-mundial.htm Pour des détails de cette guerre. [ii] molokai colonia de leprosos http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/static/trajetoria/volta_brasil/havai_lepra.php [iii] Les exemples sont nombreux:Jane Dieulafoy, Gertrude Bell,Alexandrina Petronella Francina Mary Rinehart, Ida PfeifferAgnes Cameron, Louise Boyd, Amélia Earhart, Bessie Coleman, Karen Blixen, Maillart, e uma infinidade de outras mulheres de aventura.. [v] “ Através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. Em segundo lugar, gostaria de demarcar a natureza da relação que pode existir entre estes elementos heterogêneos. Sendo assim, tal discurso pode aparecer como programa de uma instituição ou, ao contrário, como elemento que permite justificar e mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda funcionar como reinterpretação desta prática, dando−lhe acesso a um novo campo de racionalidade. Em suma, entre estes elementos, discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de posição, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes. Em terceiro lugar, entendo dispositivo como um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante. Este foi o caso, por exemplo, da absorção de uma massa de população flutuante que uma economia de tipo essencialmente mercantilista achava incômoda: existe ai um imperativo estratégico funcionando como matriz de um dispositivo, que pouco a pouco tornou−se o dispositivo de controle−dominação da loucura, da doença mental, da neurose.(Microfísica do poder, cap. O dispositibo) |