De Deusa à Bruxa: uma história de silêncio

             A história é lacunar por excelência e nesses interstícios silenciam-se os sentidos, velam-se movimentos e suas significações, determinam-se a imposição e naturalização de interpretações que, a partir de um certo presente, tornam-se universalizantes. As tônicas positivistas dos século XIX apenas vieram enfatizar uma tendência social, que consiste em estabelecer paradigmas e estereótipos e projetá-los no tempo e no espaço, criando esquemas interpretativos unívocos e redutores.

          Concepções teleológicas da história, construídas com noções de progresso/evolução/salvação, por outro lado, criaram uma desqualificação do passado, na medida em que ao primitivo se opõe ao civilizado. A própria idéia de matriarcado "primitivo", elaborada por Morgan e Bachofen, repousa sobre a inversão dos valores de um patriarcado hegemônico, ápice de uma linha ascencional.

          Comentando as interpretações sobre o Paleolítico superiror (30 a 10.000 a.c.), André Leroi-Ghouran afirma que as explicações clássicas construíram imagens estereotipadas e fixas deste período e afirma que

" [...]o que é mais grave é que de autor em autor, as hipóteses tornaram-se certezas e  pode-se ler, nas obras de vulgarização, as mais espantosas afirmações, jamais verificadas, jamais criticadas, tomadas um dia na fonte do possível e elevadas após no fluxo do indiscutível."[1]  E isto é válido para as interpretações históricas em sua maioria.

          A própria construção dos gêneros na história padece da irredutível marca do homem das cavernas arrastando sua (propriedade) mulher, conquistada pela força e reduzida à sua fragilidade "natural". Esta eterna "luta dos sexos" em que o homem aparece como dominador/empreendedor/caçador e a mulher, por contraste, dominada/passiva/caça, segundo determinação divina/ natural/racional/científica, impede a própria concepção da existência de sociedades outras, cujos sentidos e valores constitutivos, determinariam um agenciamento relacional singular, em suas próprias condições de produção históricas.

      Assim, em sociedades cujo panteão era originado/dominado  pela figura de uma Grande Deusa, suprema criadora universal, parece-nos impossível conviver com a idéia de mulheres inferiores/submissas/reclusas, como veremos adiante. Segundo Georges Dumézil, criador da "ideologia das três funções", o mito religioso traça o esboço da formação social sobre a qual se apoia e demonstra, à sua maneira, o agenciamento das relações de sentido e de poder, entendido  aqui o poder na perspectiva foucaultiana de uma prática que atravessa vertical e horizontalmente a sociedade.

 Segundo Foucault, o poder não existe em si, "[...]é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado"[2] Por outro lado, continua o mesmo autor,"[...] o poder não se dá, não se troca nem se retoma, só existe em ação[...] é, acima de tudo, uma relação de força."[3]

  A questão do poder perpassa/investe "a caça às bruxas" que se produziu no Ocidente a partir do século XIV até o século XVII, poder disputado por um deus-pai, zeloso da supremacia masculina, à Grande Deusa ancestral,soberana da autoridade e patrona das mulheres; a mitologia e o discurso histórico fornecem-nos dados e subsídios para a análise de um fenômeno que galvanizou as paixões e obscureceu os céus europeus com as volutas negras das fogueiras.

Até a eclosão do feminismo dos anos 60, as mulheres haviam sido alijadas do papel de sujeito na construção da memória histórica. O próprio discurso feminista, em seus primórdios, debruçou-se sobre a imagem naturalizada da mulher, eterna vítima/oprimida reproduzindo uma relação paradigmática que tem origens bem definidas na civilização ocidental: os modelos grego e judaico-cristão.

O conceito de gênero, indicando uma diferenciação sexual construída, cristalizada em papéis/ atribuições/normas/valores/direitos/ deveres sociais, portanto, variáveis em sua singularidades espaço-temporal, autoriza-nos a conceber situações históricas, em que os poderes sociais eram distribuídos e mesmo concebidos segundo critérios e classificações ,totalmente estranhos ao olhar contemporâneo.

 Desta forma, a interpretação dos documentos/ dados arqueológicos, recorta e esculpe imagens do passado, obedece a visões de mundo estereotipadas, que congelam a dinâmica e o movimento das formações sociais, em infinitas reproduções do MESMO, das configurações aceitas como "normais" ou "naturais".

A visão de sociedades regidas por valores e normas específicas, por um "regime de verdade'desconhecido em sociedades modernas patriarcais, é relegada às regiões de sombra da história, às zonas lacunares, que encobrem sistemas sociais "estranhos", "perigosos", "primitivos", onde a mulher simbolizava o poder, a vida , a criação.

 O culto à Grande Deusa , não apenas reduzido à atribuição clássica de fecundidade e maternnidade, mas ligado às mais marcantes realizações humanas, como a escrita, a domesticação das plantas , a legislação, a linguagem, a medicina, tem sido obscurecido ou simplesmente ignorado pela história.

            Segundo Merlin Stone, arqueóloga e historiadora, na India, à deusa Saravasti foi atribuída a invenção do primeiro alfabeto, assim como Nidaba, na Suméria, era considerada criadora da escrtia em tábuas de argila  e na Irlanda céltica, a deusa Brigit era patrona da linguagem.[4] Na Mesopotâmia onde se encontram os primeiros sinais e desenvolvimento agrícola,atribuía-se à deusa Ninlil o dom do conhecimento dos procedimentos agrícolas, semeadura e colheita[5], o mesmo sucendo com Deméter na Grécia e Isis no Egito. A criação das leis no relacionamento social eram atribuídas igualmente a Ceres (Legifera) e Isis, também portadora da arte da cura, criadora da medicina.[6] Reforçando este sentido, o caduceu, símbolo da medicina é representado por duas serpentes entrelaçadas e a serpente é um dos símbolos mais antigos e mais universais, ligado à Deusa.

        Nas palavras de Merlin Stone

,"[...] a arqueologia e a história fornecem provas da existência de uma divindade feminina, criadora e ordenadora do universo, profeta, senhora do destino humano, inventora, curadora, caçadora e combatente  corajosa, provas que  indicam que o tema "culto da fertilidade" não passaria de uma grosseira simplificação de uma estrutura teológica complexa."[7]

            De fato, sob a denominação "culto da fertilidade" são avaliadas e desqualificadas ao mesmo tempo, as representações que povoaram 30.000 anos de história, do paleolítico antigo à chegada dos indo-europeus no Oriente Médio, em torno de 2.500 a.c..       & Figuras e símbolos ligados ao Feminino foram arroladas por Leroi-Gourhan em 63 cavernas na Europa, cavernas que deixam entrever uma verdadeira "metafísica da morte". Afirma  este autor que  "[...] as representações contém um sistema[...]  muito mais  complexo e rico do que havíamos imaginado até     o momento".[8]&n povoaram a Europa, desde as planícies russas à Península Ibérica,atestando a importância dada ao Feminino durante milênios.[9]

          No Oriente Médio, as localidades de Çatal Huyuk, Jarmo e Jericó apresentavam, entre o VI e VIII milênios a.c., importantes aglomerações e conjuntos arquitetônicos, onde a imagem hierática da Grande Deusa, senhora dos animais selvagens, da vida e da morte, imperava soberana nos locais destinados ao culto.[10]

             Segundo Melaart, arqueólogo e explorador destas regiões,

"[...] O brilhante estudo de Andre Leroi- Ghouran sobre a religião do Paleolítico superior [...] e sua interpretação da arte  baseado no tema complexo do simbolismo feminino,[...] mostra fortes analogias com a imagética religiosa de Çatal Huyuk."[11]

            O simbolismo feminino do Paleolítico re-emerge assim em Çatal Huyuk, sob a forma de uma Grande Deusa sentada em um trono e ladeada de animais selvagens, além de numerosas outras representações de igual importância, em santuários artisticamente decorados com baixos relevos ou pinturas murais mono ou policrômicas.[12]

           Para o mesmo autor/arqueólogo,[...] a posição social da mulher parece ter sido muito importante para uma sociedade agrícola[...] da qual uma deusa era a divindade principal".[13] Afirma ainda que a variedade das artes e do artesanato em Çatal Huyuk aproxima esta cultura das civilizações da Idade do Bronze, além da planificação urbana, que durante 800 anos asseguraram a existência de uma sociedade singular, cujos vestígios, por exemplo, não apresentam traços de violência, guerra ou mortes provocadas. Melaart vai ainda mais longe e considera que "[...]  uma continuidade religiosa pode ser demonstrada a partir de Çatal Huyuk [...] até a `Grande Deusa Mãe' dos tempos arcaicos e clássicos, a figura um pouco misteriosa conhecida sob os nomes de Cybele, Artêmis e Aphrodite."[14]

      Uma certa simbologia acompanha os avatares da Grande Deusa: as abelhas das pinturas murais de Çatal Huyuk aparecem como as Melissai, sacerdotizas do culto de Cybele, a frígia, assim como o machado duplo, famoso símbolo da Deusa (Labrys)em Creta; o bisão, ligado ao feminino, do paleolítico aparece como bovídeo em Çatal Huyuk, vaca no culto de Hathor e Neith (Egito),vaca igualmente nas representações de Lakshmi e Parvati, fonte de vida e fecundidade na India, Ninhursag na Mesopotâmis, Anat na Síria, touro com Cybele e em Creta, onde a deusa chamava-se Dictyanna.[15]

  Os símbolos ligados à Grande Deusa  distribuem-se espaço-temporalmente, adquirindo cores e matizes diferentes, mas de forma recorrente; tal como os enunciados para Foucault, os símbolos padecem de uma "rarefação", eles se repetem, se re-atualizam, se regrupam, formando constelações de sentido específicas às sociedades onde emergem.Entretanto,como explicita Gilbert Durand, o símbolo possui uma espessura semântica, que apareceria enquanto reminiscência, penetrando em uma rede de sentidos singular.Assim, o símbolo atualiza seu arcabouço semântico constitutivo e como sublinha o mesmo autor,

"[...] o significante, repetindo-se, consegue integrar numa mesma figura, as qualidades mais contraditórias. O significado por sua vez, ao tocar as margens do universo sensível para se manifestar, repete incansavelmente a epifania. É pelo poder de repetir que o símbolo preenche indefinidamente sua inadequação fundamental."[16]

 Deste modo, os símbolos ligados à Grande Deusa aparecem ressemantizados, segundo suas condições de emergência, guardando, entretanto, uma tonalidade própria e constitutiva. Como sublinha Lévi-Strauss,"[...] todas as  versões pertencem a um só mito",[17] o que se aplica igualmente à sua linguagem, a simbologia.

Encontramos os símbolos da Grande Deusa disseminados pelo mundo, carreados pelas narrativas míticas, atualizados no quotidiano mágico-religioso do presente/passado, revivendo relatos da luta e violência dos deuses contra a fé dos povos e o poder da Deusa. Dentre os elementos simbólicos mais correntes ligados à Deusa, de amplitude universal, encontramos a árvore (principalmente a figueira), o leão, o leopardo/jaguar, a serpente, a vaca, a corça, o carneiro, a porca, o pássaro (colomba, condor, abutre)a borboleta, abelha, machado de duas faces, conchas, água, montanha, caverna, poço, fonte, lua, terra, espiral, o círculo, a coluna, pilastras, menhirs e dolmens. Estes últimos, datando do 3o milênio a.c., encontrados em grande quantidade nas ilhas britânicas e Bretanha francesa, relacionam-se diretamente ao culto da Deusa, segundo Marija Gimbutas.[18]

Da Suméria à Pérsia, à India, da Europa Ocidental às longínquas estepes do Oriente, encontrava-se vivo e pulsante o culto à Grande Deusa, a de mil nomes e mil faces, senhora da vida e da morte, da penúria e da abundância, Magna Mater, mãe de todos os deuses, origem do Verbo e criadora do universo.

Estes atributos revestem praticamente todas as personificações da Deusa, com suas especificidades regionais: assim encontramos Adith na India, Cybele na Frígia, Inana na Suméria, Isthar e Nanaia na Babilônia, Anahita, Ardvi e Tanais na Pérsia, Tiamat na Assíria, Nekbet e Wa Zit no Egito pré-dinástico,Hathor, Nut,Neith, Isis no Egito, Astarté na Fenícia Asherah em Israel, Anat na Palestina, Tanit em Cartago, Artemis na Lídia, Cerridwen e Brigit entre os celtas, Dictyanna em Creta,Freya na Escandinávia e muitas outras denominações e transformações que galvanizam a fé de diferentes povos numa força e poder superiores, emanados do Feminino.[19]

         No que diz respeito à região oriental do Mediterrâneo,entre 3000 e 1100 a.c., foi na Creta minoana que o culto da Deusa encontrou sua expressão mais completa. Segundo indica James,"[...]Creta tornou-se virtualmente seu berço ocidental e a ilha foi mesmo representada mais tarde como o local de origem dos mistérios frígios de Cybele. Em Creta, a Deusa minoana era representada sob o aspecto de Terra-Mãe, Montanha-Mãe, Senhora das Árvores e dos Animais Selvagens,[...] muitas vezes segurando serpentes ou por elas envolta[...] Em alguns selos ela aparece sentada sob sua árvore sagrada, recebendo em oferenda as premícias das colheitas[...] ou então [...] ela é a deusa da caça que empunha uma lança, acompanhada por leões."[20]

      Entretanto, a não ser em obras especializadas  o discurso histórico silencia o culto à Deusa, que perdurou milhares de anos, ou faz apenas menção como detalhe folclórico de povos"primitivos", antes de se chegar à marcante etapa da "evolução" humana, ao monoteísmo patriarcal, dominado por Javé, deus vingativo e vioento, o "verdadeiro" deus.

 É evidente que ao longo dos séculos e das invasões, como a própria Bíblia tão bem ilustra, a situação social das mulheres foi sendo modificada, mas isto não se deu de maneira uniforme e radical, em um momento preciso. Durante séculos, os reis da Mesopotamia, invasores, receberam sua autoridade da Deusa, a partir do hierogamos (casamento sagrado)[21] e nada nos impede de pensar igulamente, que entre os nomes dos reis nas  listas dinásticas, não se incluam rainhas, que desapareceram sob o genérico masculino, escamoteadas ao olhar dos estudiosos por sua "incrongruência," no âmbito das virtualidades.Nesta ótica, muitos personagens desapareceram dos livros oficiais de história, como a rainha Artêmis de Halicarnasso (Caria), que combateu os gregos ao lado de Xerxes, comandando seus exércitos; rainha e guerreira, esta imagem próxima à Deusa Artêmis, Ishtar, Astarté - desfaz a naturalização de papéis sexuais, biológica e sexualmente determinados.

        Segundo o arqueólogo G. Lande[22],eram as rainhas, como a rainha de Sabá (em torno de 950 a.c.) que dirigiam, nesta época, os estados ou tribos árabes, fato igualmente confirmado no século VII a.c.. Mesmo na fileiras de Javé, uma rainha,Athalie,(filha de Jezebel e Achab, sacerdote e sacerdotiza de Astireth e Baal, ambos renovadores do culto da Deusa, amaldiçados por Javé), tomou o  poder e reinou em Judá durante alguns anos [23]

            O hierogamos- união sagrada  entre a grande sacerdotiza e o futuro rei, ou entre uma sacerdotiza e um visitante do templo- era uma celebração do ritural místico da vida, reproduzindo a união de Inana/Damuzi ou de Ishtar/Tamuzi ou de Astarté/Adonis, e deu origem ao epíteto "prostituição sagrada", ou seja, uma interpretação etnocêntrica, que confere ao rito uma desqualificação incompatível com a importância e o sagrado da cerimônia.

        A idéia de depravação sexual , de caráter orgiástico dos ritos pagãos, de uma sexualidade sem limites ligada às mulheres,vai perseguí-las até as fogueiras, que punem os Sabás medievais/modernos. Entretanto, segundo Merlin Stone, as sacerdotizas dos templos da Deusa, seja na Suméria, Babilônia ,Cartago, Chipre, Anatólia, Grécia, Sicília, eram consideradas sagradas e puras; seu nome acadiano de gadishtu significa literalmente "mulheres santificadas" ou "santas mulheres".[24]

           Entretanto, segundo a mesma autora,  

   "[...] mesmo nos estudos mais sério escritos nos últimos dois séculos, os costumes sexuais são quase sempre descritos como uma forma de prostituição, as mulheres sagradas sendo chamadas de "prostitutas do templo" ou "prostitutas dos rituais".[25]

   

 A libertinagem, a lascívia, as orgias desenfreadas compõem, a partir destes julgamentos de valor que remontam aos tempos bíblicos, um imaginário povoado de demônios, que atuariam contra Javé ou contra a Igreja cristã, em seu tempo. Przylusky comenta que  "[...] os processos de feitiçaria da Idade Média nos revelam um curioso conjunto de crenças e práticas onde reminiscências pagãs misturavam-se a elementos cristãos. O sabá das bruxas acontecia em lugares desertos, sob a invocação de Diana e Lúcifer.[...] o dualismo é aqui astral e sexual : a conexão é sensível entre Diana e as bruxas, a lua e a noite. O sabá lembra os antigos mistérios e a orgia que o encerra aproxima-a das antigas cerimônias da Grande Mãe.  [26]

         O embate entre a religião ligada à Grande Deusa e os cultos trazidos/instituídos pelos indo-europeus e semitas,com a predominância de elementos masculinos na criação e no poder, traduz-se em narrativas míticas onde os heróis/deuses defrotam-se com os síombolos da Deusa, principalmente a Serpente/Dragão. Desta forma, temos combates célebres na Babilônia, Marduk violentando a deusa -serpente Tiamat; Baal afrontando a serpente Lotan, Javé e Leviatã, Zeus e Tiphon, Apolo e Phiton, Hércules e Ladon(guardião da árvore sagrada de Hera, triplamente simbólico) ou as serpentes que esmaga ainda no berço; Teseu contra Medusa, São Jorge matando eternamente o dragão na lua .    

           A tríade Eva, a árvore do paraíso e a serpente estabelece a clara ligação entre a Deusa e queda/pecado/expulsão do homem, de um locus de felicidade por um deus enfurecido. Merlin Stone afirma que :

"[...] o mito do paraíso perdido, como os  outros mitos indo-europeus de &n serpentes e dragões, queria  seguramente mostrar que a    serpente,conselheira familiar das mulheres, era a fonte do mal e tinha um papel ameaçador e infame. Eis  porque escutar as profecias da  divindade feminina era o sacrilégio mais perigoso que existia para a  religião da divindade masculina."[27]

        A supremacia do deus masculino faz-se igualmente através do abuso e da violência sexual: Hera é forçada ao casamento com Zeus, Perséfone é violentada e raptada por Hades; na Suméria, a introdução do culto do deus Enlil em Nippur é associada o estupro da filha da Deusa , Ninlil.Zeus, o deus supremo da Grécia é o campeão dos estupros : Semelé, Leda, Callisto, Danae, Europa, e muitas outras,todas ligadas de alguma forma ao culto e poder da Deusa, são por ele raptadas, violentadas, forçadas à submissão. Hera, personificação grega da Deusa aparece com características de uma "feminilidade" desconstrutora e desqualificada, divinizando a "natureza" feminina construída socialmente: irascível, ciumenta, perversa, administrando com parcimônia seus favores à nova figura central do panteão, Zeus.

    Os Grandes Mistérios de Eleusis foram, durante séculos, celebrados exclusivamente por mulheres: Haloa era uma das grandes festividades das premícias, realizada também por mulheres, encabeçadas pela grande sacerdotiza de Deméter. [28] Destas festas nada ou pouco se sabe, apenas conjectura-se sobre seu conteúdo e tratando-se de festas entre mulheres, foram quase que apagadas da História, como a obra de Sapho , por incongruentes, improváveis, impossíveis tais costumes na ordem do discurso histórico/patriarcal.

    O teatro grego fala-nos igualmenbte deste longo período em que os deuses masculinos aos poucos se afirmam e pulverizam os atributos da Deusa em uma miríade de pequenos poderes distribuídos entre deusas e deuses. Athéna, patrona de Atenas, revestida de todos os atributos da Deusa, da Inteligência, da Arte, do Conhecimenbto, Guerreira e Virgem, recusando o casamento e portanto a submissão/inferioridade inerente à condição da mulher ateniense, é filha unicamente de um pai, Zeus - seu próprio nascimento elimina o princípio materno: sua mãe é engolida por Zeus, num evidente simbolismo de aniquilamento da Mãe.É a Deusa em imagem e atributos, entretanto, seu discurso e sua atuação são instauradores da Ordem do Pai, do futuro simbolismo psicanalítico centrado no Falo.

Na Oréstia de Esquilo, Athéna, dispondo do voto decisório no julgamento de Orestes pelo assassinato de sua própria mãe, assim se pronuncia:

 "Serei a última a pronunciar o voto e o somarei aos favoráveis a Orestes. Nasci sem ter passado por ventre materno; meu ânimo sempre foi a favor dos homens, à exceção do casamento; apoio o pai. Logo, não tenho preocupação maior com uma esposa que matou o seu marido, o guardião do lar." [29]

O Coro, que representa a voz da religião antiga, da Deusa, soberana absoluta dos deuses e dos homens, lamenta-se amargamente:"Ah! Deuses novos! Como espezinhais as leis antigas pois arrebatais de nossas mãos o que sempre foi nosso!![30]      

  E continua mais adiante:

"Nós, deusas muito antigas, não queremos ter esta sorte e residir aqui, como seres impuros malditos! Não! Todas nós estamos respirando a mais intensa cólera e vingança! Ah! Terra e céu! Ah! Quanto sofrimento invade agora nosso coração! Ouve-nos Noite! Ouve-nos, nossa mãe! Deuses maliciosos e perversos, despojam-nos de nossas honrarias, nunca negadas e hoje suprimidas!" [31]

              Entretanto, essas mesmas Fúrias,representadas pelo Coro,são apaziguadas e cooptadas por Athéna, tornando-se as Eumenides, as Benevolentes.

        O discurso teatral atualiza, através da narrativa mítica, a transformação da Deusa em campeã da Ordem do Pai, ela própria domesticando as guardiãs de seu poder e sua honra.Pela sua própria vontade,desestrutura o poder do Feminino em favor de uma nova Ordem, a patricarcal.

          As Bacantes de Eurípedes deixam evidente a luta travada pelo rei e pela cidade de Tebas contra uma sociedade de mulheres e a magia inerente a elas, que seduz, transtorna, adormece a percepção e leva o homem à morte. Nesta peça, o filho é despedaçado pela própria mãe, bacante tresloucada, fiel à Dionísio e à Deusa Artêmis/Cybele. Os mistérios divinos, os mistérios femininos são combatidos pela repressão/arnas dos soldados de Penteu, tentando reter em Tebas as mulheres atraídas por Dionísio. O canto do Coro exalta as benesses dos ritos báquicos: "Ö feliz, bem-aventurado aquele que conhecendo os mistérios divinos, sua vida santifica, sua alma enfurece, pelos montes dançando com Baco, purificando com os ritos místicos e de Cybele, Mãe Suprema, as orgias celebra e a Dionísio serve coroado de hera, empolgando o tirso".[32]

        Penteu assegura sua intenção de controlar as mulheres:" Desta terra ausente, bem longe, ouvi falar de outros males que caíram sobre esta cidade; que novas mulheres abandonam seus lares, correm pelos montes boscosos a venerar com danças um tal Dionísio, um novo deus[...] Por toda parte, em ermos lugares, se entregam ao prazer dos machos. tais são os ritos das Menades, porém, antes de Baco, a Afrodite celebram." [33]

        Penteu está decidido a domesticar as mulheres, tirar-lhes a liberdade de culto e ação, trazê-las     à ordem e ao redil do soberano:" De quantas me apoderei, lá jazem, de mãos atadas, nos cárceres públicos,à guarda de meus servos. Às outras, caça lhes darei pelos montes. Em minhas redes de ferro as terei cativas... Prestes hei de por fim à bacanal odiosa."[34]

   O mêdo da magia, da força descomunal e da fúria terrível das Bacantes é desvelado pelo Mensageiro:

"Logramos nós ao menos, fugindo, evitar que destroçados fossemos pela Bacantes[...] Tudo devastam; crianças rapinam[...] Então, ó rei, é que vimos o prodígio sem par: nem sangravam suas carnes, aos golpes dos dardos[...] Se, mulheres, punham os homens em fuga, é que algum deus estava a seu lado."[35]   

A vontade de poder e o medo da sociedade de mulheres, com seus mistérios/magias, transpiram destes fragmentos discursivos da tragédia, re-atualizando narrativas míticas que tecem no imaginário as (in)coerências e naturalizações do relacionamento social.As mulheres livres são consideradas perigosas e esta liberdade supõe todos os excessos, inclusive a morte da progenitura. Este discurso não será estranho aos julgamentos das feiticeiras, tantos séculos passados.

Efeso, na Asia Menor,[...] oferecia a imagem riquíssima e prestigiosa de uma espécie de Vaticano do culto da Mãe; era a poderosa citadela do monoteísmo materno", afirma Lederer. [36]  

  Este culto invade a Grécia e Cybele/ Bellone/Atargatis transforma-se em Rhéa, Hécate e Artêmis, Afrodite.Seu prestígio/poder original, assim como de suas sacerdotizas, atormentam o inconsciente e o imaginário masculino, que se materializa em constantes perseguições/exterminações ao longo da diacronia: assim, Constantino,(séc.III), Justiniano (IV) fecham templos, destróem estátuas, reprimem os fiéis adoradores da Deusa, numa estratégia não de incorporação, mas de extermínio.

  Repetidos, mas nunca os mesmos, os enunciados, as imagens, reaparecem com uma força devastadora, a partir do séc.XIII, dizimando milhares de mulheres, reativado o medo, a reminiscência do culto à Deusa, do tempo em que Ela era Deus, inaugurando o Terror nos tempos modernos.Ainda segundo Lederer

"[...] as lembranças relativas à rainha dos Elfos, à Holda, à Diana, a atmosfera dionsíaca do Sabá (ritmo, música, danças,extases, bebedeiras, risos, tudo impregnado de terror e apreensão) as práticas rituais lembrando o culto da serpente e outros animais dos cultos de fertilidade, gato, cabra, porca, tudo indica [...] com certeza a sobrevivência da religião antiga, do culto da Grande Deusa.[37]

Ao realizar seus recortes na construção do fato e do acontecimento, constituindo assim um saber histórico, o discurso exerce o poder de reafirmação de um sistema de valores e normas, cujos horizontes determinam/constituem e são constituídos por um imaginário que retém e remodela imagens.   

    Se Athéna subverte a imagem da Deusa tornando-se a paladina da Lei do patriarcado, o cristianismo  também reintroduz no imaginário a figura da Deusa- afastada do poder de criação- através do culto a Maria, que reúne, paradoxalmente, os ideiais construídos para a mulher na Ordem do Pai: virgem e mãe.

       A própria concepção de Cristo repete as proezas de Zeus, uma vez que a vontade de Maria é irrelevante: um Anjo apenas vem comunicar-lhe sua gravidez. Reafirma-se assim o caráter masculino do deus cristão, bem como a submissão da mulher e sua condição de simples receptáculo no processo de procriação. Assim, a Deusa é despojada de seu aspecto materno, supremo gerador de vida e no mesmo movimento, a maternidade perde seu aspecto glorificador, para tornar-se um fardo e uma sina; a serpente, símbolo da Deusa é amaldiçoada no Edem e o relacionamento entre os sexos é definido no mesmo discurso.Assim lemos no Gênesis:

          2:14 "O Eterno Deus disse à serpente:[..] tu serás maldita entre todo o gado e entre todos os animais do campo[...]

      2:15 " Colocarei a inimizade entre ti e a mulher, entre posteridade e a dela: ela te esmagará a cabeça e tu ferrarás seu calcanhar.

                  Ele diz à mulher:aumentarei o sofrimento de tua gravidez e parirás na dor e teus desejos se voltarão para teu marido mas ele te dominará."

           A simbologia não pode ser mais evidente: a serpente, símbolo da Deusa, faz com que Eva peque e induza ao pecado e é convertido na representação do Mal. (Deusa =Mal) A mulher, por sua vez, esmaga seu próprio símbolo, mas o ferimento no calcanhar reintroduza a semente do Mal em seu corpo. (Mulher =Mal).O parto na dor e a dominação masculina não aparecem na mesma enuncaião por acaso, pois a despossessão de seu corpo , de sua vontade, é uma das chaves da dominação da mulher.

    Esta imagem re-aparece na iconografia cristão sob a forma de Nossa Senhora da Conceição, figura hierática de mulher em suas vestes talares, de pé sobre o mundo, esmagando e dominando a serpente sob seu calcanhar.

No Novo Testamento, a imagem da Deusa é simbolicamente destruída, quando Cristo amaldiçoa a Figueira, árvore por excelência ligada a Seu culto, "que jamais alguém coma de teu fruto";  igualmente quando exorcisa os demônios que possuíam um homem, expulsando-os para uma  vara de porcos ( animal ligado à Deusa) e os faz precipitarem-se do alto do penhasco, da montanha, (também símbolo da Deusa) afogando-se no Lago.(Lucas, 8:27-33) Estas imagens formam uma constelação simbólica,cujo sentido é quase apodítico.

A Bíblia, assim como as narrativas míticas em geral, é um instrumento político de extrema eficácia, compondo uma imagética dinâmica, que induz e constitue uma rede de sentidos, ordenadora do relacionamento social.

Os judeus introduzem seu discurso mítico na região da antiga Suméria, mais ou menos entre o século XII e XV a.c.; de fato, desta vez, o panteão é reduzido a um só deus, Javé, e o princípio feminino é banido da concepção da divindade e de sua atuação na cosmogonia. A criação a mulher se dá em duas ocasiões, no Genesis; na primeira, diz a Bíblia:

"Deus criou o homem à sua imagem, ele criou-o à imagem de Deus, ele criou o homem e a mulher."(Genesis,1:27) e em seguida:" o eterno Deus formou uma mulher da costela que havia tomado do homem e levou-a a ele."(Genesis,2:21)[38]

Lilith seria a primeira mulher, criada junto com Adão e que teria se recusado à inferioridade e submissão, refugiando-se no deserto e aos poucos tornando-se a figura do demônio ( novamente o Mal) O nome de Lilith aparece apenas duas vêzes na Bíblia[39] É, entretanto, no Talmud ( comentários orais da Escritura) e no Zohar ( conjunto de livros que tentam precisar a significação mística dos textos bíblicos)que Lilith aparece com frequência, como um agente demoníaco, rainha e mãe dos demônios, sombra noturna, voadora e furtiva perturbadora do sono/sonho dos homems, incitando-os à cópulas ilícitas, devoradora de recém-nascidos, profandora do sexo, mesmo no leito conjugal, Lilith seria a " Prostituta, a Maldita, a falsa, a Negra."[40]

         Estas características de Lilith reaparecem nos discursos que descrevem as bruxas da Idade Média/Moderna: elas voavam, sacrificavam e comiam crianças, atuavam diretamente sobre a sexualidade masculina( proudzindo impotência, ejaculação precoce, polução noturna, "prostitutas do diabo", engendradoras de sua prole, e o Sabá era todo centrado no sexo e na paródia invertida dos ritos cristãos, a Missa Negra. Lilith, sob a forma de súcubo possui os seres humanos, transformando-os em receptáculos do Mal.

Segundo Roberto Sicuteri [41], seja qual for a encarnação do demônio feminino - Diana, Hécate, Gorgona, Medusa, Frynea- "a bruxa e suas seitas eram perseguidas como heresia religiosa, mas hoje dificilmente se pode continuar a ocultar a verdadeira motivação dessas perseguições, isto é, o ódio pela mulher que se manifestou como luta contra o pecado - por parte da Igreja celibatária  que se identificava - como eclesia mater-  com o arquétipo da Mãe protetora e salvadora". Para este autor " [...] a atitude psicológica dos inquisidores é inequivocamente condicionada pela obsessão sexual" [42] Os sinais de bruxaria e de possessão eram procurados nos órgãos sexuais e os detalhes escabrosos dos atos supostamente realizados no Sabá eram esmiuçados nos interrogatórios.

As imagens de Lilith, demônio, mãe dos demônios, atormentadora dos mortais; de Eva, a inconsciente, a pecadora, a causadora da Queda e do Pecado e as bruxas da Idade Média/Moderna, representam cristalizações atravessadas por todo um construto imaginario, que durante séculos se obstina em criar, para o princípio feminino, um status de inferioridade "natural" e social, ligado a suas especificidades maléficas e perversas,  marcadas biologicamente.

Jean Delumeau [43] traça os (des)caminhos  do discurso sobre a mulher a partir do século XIV, que retoma os enunciados e os valores gregos (Platão/Aristóteles) sobre sua incapacidade/inferioridade física, intelectual, moral, bem como as interpretações bíblicas da patrística e de diferentes concílios. Baseado no princípio de autoridade e no consenso discursivo dos legisladores/juízes, dos teólogos pregadores e dos médicos, criou-se sp; &ns

;Como bem sublinha Foucault, os enunciados são raros e por isso encontramo-los repetidos, num já-dito incansável e monocórdio. Alvaro Pelayo,franciscano, publica em 1330,  De planctu Ecclesiae, que contém o catálogo dos 102 vícios da mulher, a pedido de Jean XXII e Delumeau regrupa em 7 pontos suas acusações, que segundo ele,"[...]amalgama, a despeito mesmo de seu autor, acusações teológica, medo imemorial da mulher, autoritarismo das sociedades patriarcais e orgulho do clero masculino". [44] 

Resumem-se assim: 1) mãe do pecado, arma do diabo e da corrupção de toda lei;2) abismo de sexualidade, muda o bem em mal, a natureza em seu contrário, aceita copular por trás ou durante a menstruação;3) adivinhas ímpias, usam magias e encantamentos, impedem a procriação com ervas e ritos mágicos;4) mulher é ministro da idolatria, leva o homem ao pecado e à apostasia;5)alguns qualificativos: inconstante, faladeira, insensata, ignorante, invejosa, colérica, etc.;6) injunção aos maridos para desconfiar de suas mulheres insidiosas e dominá-las;7)orgulhosas e impuras, perturbam a vida da Igreja.

Delumeau comenta este último artigo, como "[...]o mêdo de um religioso de ver as mulheres tomar conta da função clerical.[...] durante séculos atormentou os homens da Igreja, que temiam , por esta intrusão, o desmoronamento de todo um sistmea," [45]

           Um certo monge de Cluny, Bernard de Molas, no séc.XII, contribui à elaboração desta imagem de mulher, e seus excessos verbais beiram a histeria, em seu profundo ódio às mulheres.Alguns exemplos tirados de seus versos em De comtemptu feminae são ilustrativos:

"[...]a mulher ignóbil, a mulher pérfida,a mulher covarde, mancha o que é puro, [...] ímpia, estraga as ações[...] Toda mulher se alegra de pensar no pecado e de vivê-lo[...] Abismo insondável, a pior das víboras, bela podridão[...]torvelinho de sexualidade, instrumento do abismo, boca de vícios[...] ela é o delírio supremo, o inimigo íntimo, a peste íntima[...]a mulher é uma serpente, pelo seu coração, pelo seu rosto,por seus atos[...] tanto quanto pode, compraz-se em ser maléfica [...]mulher pérfida, mulher fétida, mulher infecta, ela é o trono de Satã... foge dela, leitor.[46]

       A iconografia, assim como a literatura, constribuem a fixar no imaginário estas figuras de mulher, habitada pelo Mal e pelo Pecado; o teatro popular e sobretudo os sermões dos predicadores divulgam e assentam os pré-conceitos, enraizando um paradigma que servirá de justificativa a todo tipo de ordenamento político-jurídico, entre os quais a "caça às bruxas".

Se Guillaume de Loris no século XIII, canta o amor e a beleza da mulher, na ótica do romance cortês, na primeira parte do Roman de la Rose, a segunda parte, de Jean de Meung já traduz um espírito diferente, cerca de 40 anos depois: num discurso com pretensões científicas e didáticas, elimina-se os traços da courtoisie. Segundo Régine Pernoud, "[...]da busca passa-se ao conflito: é uma estratégia que a natureza ensina aos amantes, pondo-o em guarda contra os artifícios das  mulheres e mostrando-lhe sem rodeios que uma mulher é igual a qualquer outra."[47]

Nesta mesma época, a Universidade de Paris fecha suas portas às mulheres, interditando-lhes a aquisição de um saber, que cada vez mais outorga-se o título de verdadeiro.

A mesma autora comenta que, no século XIV, persegue-se a mulher médica, "[...]pois é-lhes proibido exercer a medicina sem a posse de um diploma, que não podem obter."[48]

Christine de Pizan, nascida na segunda metade do século XIV, historiadora, poeta, vivendo de sua pena, denuncia esta misoginia crescente e em seu livro Cité des dames refuta, com a autoridade da Razão, Justiça e Retidão, todos os argumentos que lançam o descrédito sobre as mulheres e suas capacidades físicas, intelectuais e morais, talvez a primeira obra feminista da literatura francesa.[49]Na mesma época, ainda podia-se encontrar mulheres em situações tais, como Catherine de Sienne, Doutora da Igreja.

Não se trata aqui de apontar "mulheres alibi", exemplares raros que promoveriam ,à época, as mulheres como um todo, grande massa anônima e amorfa. No discurso lacunar de um certo tipo de história, que trabalha papéis / relacionamento/ divisão de trabalho, de forma normativa e universalizante, a mulher, na Alta Idade Média aparece como cópias esmaecidas pelo tempo, do frágil e submisso "segundo sexo"  do século XIX, mulheres destituídas de direitos, de vontade, de possibilidades de ação/reação.

Re-visitando a Idade Média, Régine Pernoud esboça um quadro bem diverso daquele ao qual estamos habituados: mulheres ativas, exercendo o poder político e as mais diferentes profissões: encontra registros de 150 profissões em 1297, exercidas pelas mulheres, entre as quais médica, hoteleira, comerciante, padeira, responsável por moinhos de grãos,(meunière), apoticária, copista, miniaturista, encadernadora, artesã; partilhavam igualmente os postos de controle de qualidade de cada profissão (prudes femmes), possuindo assim poderes judiciários sobre o exercício professional e recebendo salários que as colocavam nas listas de impostos.[50] Eram suzeranas e possuíam seus bens poróprio e de acordo com Pernoud

 "[...] os interesses pecuniários da mulher casada são, no século XIII, solidamente protegidos[...] a  mulher participa, de direito, a tudo que o casal pode adquirir[...] Até o fim do século XV, com efeito, ela goza do que se chama `capaciades jurídicas'; é somente a partir do século XVI que ela se torna juridicamente incapaz, com o controle do marido cada vez mais rigoroso, sobre os atos de sua espoca". [51]

As mulheres votam igualmente, como nos Estados Gerais de Touraine, em 1308 [52] A instrução de meninas e meninos era assegurada principalmente pelas monjas e os monastérios femininos eram grandes forjadores, centros de difusão do saber. Aponta ainda esta autora o grande número de copistas e enluministas mulheres, o que modifica substancialmente a idéia que se criara sobre a instrução e o leque de atuação das mulheres na sociedade européia medieval.   &n;&nbs Algumas mulheres deixaram obras enciclopédicas , como Herrade de Landsberg (sec.XII) esquecida nas brumas da história, ou Hildegarde de Bingen, que além da obra de caráter religioso, escreveu Scivias, especie de compêndio de história natural,uma enciclopédia do conhecimento no séc.XII e Ignota Lingua, referente à reforma do alfabeto e à transcrição do alemão e do latim.[53]

Um pequeno livro, intitulado The medieval woman-a illuminated book of postcards, publicado no Canadá, em 1991, mostra, através da reprodução de enluminuras do século XIII ao XVI, grande parte das atividades das mulheres, que aparecem como guerreiras, defensoras de seus castelos, construtoras de catedrais, mineiras, músicas, letradas, camponesas, fiandeiras, caçadoras, pintoras e etc.

A "caça às bruxas" corresponde portanto, ao declínio do status político,econômico e social da mulher, atingindo seus direitos de pessoa e de cidadã. Todas as frentes foram investidas na despossessão e desqualificação da mulher, cerceando sua esfera de atividades, limitando o acesso ao saber e à educação, destruindo direitos políticos e de herança e reativando, no imaginário social, medos ancestrais, ligados ao modelo do Mal, da Sombra, da Morte e do Pecado.

Lederer resume as razões pelas quais as mulheres eram feiticeiras em maior quantidade que os homens, segundo um bispo italiano do século XIII

 "[...] a razão maior disto é a malícia do demônio, que prefere se dirigir às mulheres; em seguno lugar, a natureza mesmo das mulheres; em terceiro lugar, sua credulidade; em quarto lugar, sua vaidade; em qwuinto lugar, seus sentimentos extremados de amor e ódio e por fim sua terrível inclinação a pecar." [54]  

A "caça às bruxas", portanto, aparece como uma tentativa definitiva de eliminar a mulher de qualquer veleidade de poder- seja religioso, econômico ou político- com a naturalização de uma imagem aviltada e desprezível, retomada no discurso social e oficial como a "natureza", a "essência" do feminino.

A Igreja, modelando seus contornos dogmáticos, excluiu e perseguiu todas as tendências do cristianismo que promoviam as mulheres, como os cátaros, os montanistas, os beguinos e outros, classificando-as de heréticas, bem como as feiticeiras, promotoras do paganismo, re-inventando, re-atualizando o culto à Deusa. Toda recusa do dogmatismo construído ao longo dos concílios, significava heresia e as fogueiras devastaram os núcleos de resistência à hegemonia católica. p;&n

           Anne Brenon comenta que

"[...]heterodoxos ou ortodoxos, os movimentos evangélicos congregando mulheres, appoiando-se sobre mulheres e esta presença feminina partilhando as assembléias e o fervor,  será constantemente criticada[...] Invariavelmente, pela presença de mulheres em suas fileiras, heréticos e dissidentes eram acusados de depravação sexual, mesmo que a essência de sua divergência com Roma fosse um ideal de ascetismo e pureza.[55]

À afirmação  progressiva da hegemonia da Igreja romana no Ocidente europeu correspondeu à crescente misoginia e ao afastamento das mulheres de todas as práticas doutrinárias religiosas, de predicação e celebração do culto, construindo-se aos poucos a imagem da dualidade esposa/mãe, prostituta/depravada, aliás fortemente sugerida por Paulo

" Pois Adão foi formado o primeiro, Eva em seguida e não foi Adão que foi seduzido, foi a mulher que, seduzida, tornou-se culpada da transgressão. Ela será, entretanto, salva, tornando-se mãe, se perseverar , com modéstia, na fé, na caridade e na santidade." (Timóteo,2:13-15)

O Malleus Maleficarum- O martelo das feiticeiras, manual dos inquisidores, foi editado 34 vezes entre 1486 e 1669, com uma difusão estimada em 30 mil exemplares.[56] Como bem sublinha seu tradutor, Amand Danet, de suas páginas exudam o medo, a angústia, neurose do Mal; a frequência das palavras com esta raiz - mal, malefício, maléfico- é muito reveladora, aparecendo até 30 vezes na mesma página.[57]

Este livro torna-se a bíblia dos inquisidores, girando em torno do mal/diabo/mulher e da sexualidade. Os malefícios atribuídos às feiticeira em relação à sexualidade masculina demonstram uma preocupação sexual constante e mais uma vez, o medo da mulher. Nos capítulos do livro, alguns títulos falam por si::

" como as feiticeiras sabem tirar do homem o membro viril(p.310); como as feiticeiras sabem tornar incapaz a potência sexual (p.308);, como as feiticeiras se entregam aos demonios íncubos; como, pelas feiticeiras, os demônios podem tomar posse dos homens (p.327); como as parteiras feiticeiras infligem males às crianças (p.346); as feiticeiras podem impedir o ato de potência genital?(p.195); as parteiras feiticeiras fazem morrer as crianças e oferecem as outras aos demônios?(p.215).

 Às questões seguem-se as respostas e em seguida os remédios para impedir estes males. Mas a mulher é por natureza feiticeira, o mal participa , portanto,de sua essência.

Para os autores do Malleus, a mulher é incapaz de se dirigir ela mesma, e assim, sua conduta depende das influências que a atingem. Deste modo, é presa mais fácil do demônio  e quanto a isso "[...]não serve à nada trazer argumentos contrários, porque a experiência ela mesma, além de palavras dignas de fé, tornam críveis tais testemunhos."[58]

A narrativa bíblica apoia e fundamenta afirmações, que repousam apenas sobre sua própria enunciação. A rede de sentidos na qual se inserem, entretanto, dá-lhes uma profundidade e uma força política, que conduzem ao paroxismo da fogueira e da morte. Segundo Spenger e Institoris,

"[...] a mulher é mais carnal do que o homem e isto se vê por suas múltiplas turpitudes. Pode-se notar, aliás, que existe um defeito na formação da primeira mulher, pois ela foi feita de uma costela curva [...] torta e como que oposta ao homem. Decorre deste defeito que, como um vivente imperfeito, ela decepciona sempre.[59]

O ser da mulher, assim traçado, apresenta um perfil, uma imagem que se recorta em um fundo abissal, negro de inquietude e suspeição, em visões entrecortadas de cavalgadas noturnas, vôos demoníacos, risos perversos misturados aos gritos e gemidos das torturadas.O manual dos inquisidores condena as mulheres/feiticeiras antes mesmo de julgá-las. E afinal quem era o réu, a feitiçaria ou as mulheres?

A dimensão política do imaginário social aparece aqui com clareza, neste sopro de misoginia revelador de um embate latente, vontade de poder masculina que se afirma na negação do medo, pelo aniquilamento do Outro.   

Nas próprias profundezas e escaninhos do imaginário social, a imagem da bruxa torna-se indissociável da mulher rebelde à norma e aos paradigmas sociais, ameaça ao sistema e ao padrão de relacionamento dos gêneros. A "caça às bruxas" cria um novo saber sobre a mulher, traçando os horizontes e os limites de sua natureza e de suas práticas,criando assim um novo objeto deste saber, a feiticeira.

  A codificação e institucionalização deste saber, em compêndios e obras jurídicas e teológicas, criam um princípio de autoridade, que valida toda uma teratologia deste saber, materializada nos excessos e delírios das denúncias / torturas e execuções.         

  Este novo saber, ao criar seu objeto, organiza e ordena as confissões e os suplícios, esmiuçando as atividades  do demônio, os malefícios, as orgias, as marcas e indícios, os detalhes da sexualidade diabólica/ humana/ bestial, nos limites de um imaginário habitado por temores indefinidos, tradições rurais reativadas, rumores abafados de antigos rituais.  celebrados nas colinas ou nas clareiras das florestas.Em sua ação de circularidade, o imaginário cria e é criado na definição de uma imagética, conjunto de imagens definidoras de um objeto de saber, aliado à práticas singulares e específicas, como o exemplo da "caça às bruxas".

                Roland Villeneuve indica que

         "[...]no século VII o povo prestaria uma extrema atenção aos oráculos, às   divindades do dia [...] fazia oferendas em campos abertos às deusas     mães.[...]assimilados surgiam.[...]Intimamente misturados à população rural, os monges anacoretas&n; &nb ouviam [...] alusões perpétuas às divindades silvestres, das quais o crédito sp;  diminuía. Encabeçava-as  Diana, pouco exigente, fácil de adorar, soberana  ; das florestas profundas, dos lugares afastados, onde a mensagem de cristo& continuava ignorada.[60]

Da noite dos tempos paira sobre os inquisidores a sombra gigantesca da Deusa: o culto de Isis, que penetrara com todo vigor o Império Romano, em torno do século IV a.c.[61], dissemina-se através de ideais de elevação e espiritualidade, tornando-se grande corrente religiosa, rival do cristianismo. Seu último templo foi destruído no século VI d.c. por ordem de Justiniano, mas seu culto permanece subterrâneo e confundir-se-á com a adoração da Virgem Negra, avatar da deusa egípcia  ou da deusa frígia Cybele, a Negra, que são , finalmente, as duas faces de uma mesma moeda, re-ativando a figura da Deusa, senhora da vida e  da morte, em seus aspectos terrível/amedrontador/destruidor e benévolo/criador/preservador.

   Para Pierre Gordon, apesar das lutas do clero contra as madonas negras, as antigas tradições venceram e se em Chartres a Virgem Negra e seu poço sagrado foram primeiramente relegados ao exterior do santuário cristão, no século XI foram englobados na construção da nova catedral e a Virgem Negra passou a ser oficialmente reverenciada.[62]

A este respeito, E.Saillens questiona:"[..] se, no século XV, os camaradas de Joana d'Arc ofereciam ainda flores à certa Arvore das Fadas, próxima à uma fonte milagrosa, pode-se crer que na solidão do Cantal, os camponeses do século X tenham perdido a lembrança de suas antigas mães?[63]

Até o século XV em Paris, na abadia de Saint Germain des Près, uma imgaem de Isis negra era venerada como uma Virgem Negra. Barroux explicita que o culto a Isis, em Paris, no lugar da atual basílica de Saint Vincent et Sainte Croix perduram durante toda a Idade Média e sua estátua foi quebrada por ordem do abade Guillaume Briçonnet, somente em 1514.[64]

Gordon sublinha que todos os povos pressentem que as Mães ou Virgens Negras, ligadas aos ritos iniciáticos de morte e ressureição, são fonte de espiritualidade, são imagens em constante reativação no imaginário social. Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil, milagrosa, carreando milhares de fiéis a seu santuário, é uma Virgem Negra, ressemantização de Isis.

  Uma das estratégias da Igreja, evidentemente, para contornar a persistência do culto à Deusa, foi sua incorporação ao cristianismo, com seus poderes reduzidos à simples mediação e simbolicamente, como já vimos, aniquilados.

  Entretanto, no fim da Idade Média/início dos Tempos Modernos, ao lado da Bruxa, caminha a Deusa e a exterminação de ambas representa, ao mesmo tempo, a vitória do cristianismo e do patriarcado.

Para Delumeau,

"[...]a manutenção no universo cristão e até uma época tardia de ritos, de condutas religiosas e de crenças herdadas do paganismo parece a cada dia confirmar-se,à medida que a pesquisa progride no humilde  nível do vivido quotidiano[65].De fato, segundo o mesmo autor, há cerca de 80 anos os pesquisadores aderiram maciçamente a esta tese, na trilha de Frazer e Margaret Murray.[66]

                    O Canon Episcopi,datando do século IV, mas difundido principalmente entre os séculos IX e XI traz os traços dos fantasmas que perseguirão os inquisidores:

"Algumas mulheres criminosas, que seduzidas pelas ilusões e fantasmas demoníacos se colocaram sob o jugo de Satã, creem e repetem que, durante a noite, com Diana, deusa dos pagões ou com Herodiade e uma multidão incontável de outras mulheres cavalgam sobre certos animais e cortam grandes espaços no meio do silêncio das trevas, obedecendo à esta deusa como a uma soberana , chamadas certas noites para serví-la [...] com efeito, uma multidão incontável, vítima desta falsa opinião, crê nestas narrativas e crendo, abandona o caminho da fé.[67]

O  culto da Deusa e suas sacerdotizas invoca, no imaginário dos inquisidores, a realização dos Sabás, inversão que mascara uma polarização mantida num silêncio significativo: Deus Pai/cristão, Deusa Mãe/pagã. Por outro lado,presidido por Satã,o Sabá dos inquisidores inverte a figura da Deusa, em torno da qual dançavam as celebrantes de Seu culto.O Mal cristão, personificado aqui por um grande homem negro, expulsa Diana pagã da cerimônia da qual seria o eixo principal.

Teriam os Sabás realmente existido, tal como aparecem nos interrogatórios dos inquisidores? Os pesquisadores  dividem-se a este respeito. Sua existência, na dimensão da materialidade, porém, parece-nos não ter relevância, já que, no recorte do imaginário, seu poder de realidade foi incomensurável. Através dos discursos e das práticas dos inquisidores aparece-nos uma história de poder, violência e morte, imbricando consciente e inconsciente, no repúdio e aniquilação do Feminino, na emergência da grande figura do Medo.

No silêncio da história perde-se/desfaz-se a lembrança, a imagem da Deusa; inverte-se o sentido de suas invocações e ritos, subverte-se seus atributos, na construção moderna do Mal satânico, correndo nas veias das bruxas, modelando a carne "impura" das mulheres : o ódio à mulher/ pecado/ mistério/ magia acende as fogueiras. Os gritos, porém, das mulheres queimadas não morrem, nas cinzas:as multidões dissolvem-se, os juízes emudecem, mas a história ressoa de seus ecos, através da cacofonia das acusações e injúrias histéricas, cuja rede de sentidos passa a ser decifrada.


 

    [1]André Leroi-Ghouran.Les réligions de la pré-histoire, Paris, PUF, 1964,p.144

    [2]Michel Foucault.Microfísica do poder,R.J.,Graal, 1988, p.248

    [3]idem, ibid.p.175

    [4]Merlin Stone. Quand Dieu était femme. Quebec, Etincelle, 1989, p.34

    [5]idem,ibd.p.35

    [6]Rhiane Eisler. Le calice et l'épée, Paris, Laffont, 1989, p.101.

    [7]idem, ibid.p.19

    [8]André Lero Ghouram.op.cit. p.51

    [9]ver por exemplo, para mais detalhes, E.O. James. Le culte de la déesse-mère, Paris, Ed. Le Mail, 1989, capítulo I.

    [10]ver a este respeito, James Melaart.Çatal Huyuk, une des premières cités du monde, Paris, Tallandier, 1971, p.19, 20 e 21

    [11]idem, ibid.p.24

    [12]idem, ibid.p.77 e seguintes.

    [13]idem, ibid.p.226

    [14]idem,ibid.p.24

    [15]conf. E.O.James.op.cit.p.136

    [16]Gilbert Durand.L'imagination symbolique, Paris, Quadrige/Puf,1964,p.13 e 14

    [17]claude Lévi-Strauss.Anthropologia Structurale, Paris, Plon, 1958, vol 1, p.242

    [18]Marija Gimbutas/ The language of the Goddess, N.York, Harper Collins,1989, cap.28

    [19]ver a este respeito E.O James,op.cit., Merlin Stone,op.cit. e Jean Przylusky. La Grande Déese, Paris, Payot, 1950,2a parte, cap.1.

    [20]E.O.James.op.cit.p.43/44

    [21]ver S.N.Kramer. Le mariage sacré,Paris,Berg Internat., 1983 e Merlin Stone.op.cit.

    [22]G.Lande. The material civilization of the Ammonites, Biblical Archaeologist, Sept.1961, apud Merlin Stone,op.cit.p 103.

    [23]Louis Segond.(trad.)La sainte bible, Alliance Biblique Universelle,1965, Reis,11:1-20

    [24]Merlin Stone,op.cit.p.237

    [25]idem,ibid.

    [26]J.Przylusky.op.cit.p.167

    [27]Merlin Stone.op.cit.p.317

    [28]Paul Foucart.Les mystères de Eleusis.Paris, Picard, 1914,cap.III.

    [29]Esquilo.Orestia, trad.Mauro da Gama Kury, RJ, Zahar, 1992, p.170.

    [30]idem,ibd.p.178/179

    [31]idem,ibid. p.181

    [32]Eurípedes.As Bacantes, trad. Eudoro   de Souza, SP, Duas Cidades, 1974,p.15

    [33]idem,ibd.p.19

    [34]idem.ibid.

    [35]idem,ibid.p.39

    [36]W.Lederer.La peur des femmes, Paris, Payot, 1980,p.155

    [37]W.Lederer.op.cit.p.187

    [38]La sainte Bible.Louis Segond (trad.) Alliance Biblique Universelle, 1985.

    [39]Bíblia de Jerusalém, tradução francesa,Isaías 34:14 e Job 18:15 apud Jacques Bril, Lilith ou la mère obscure, Paris, Payot, 1991, p.56 e seg.

    [40]Jacques Bril, op.cit.p.66 - conf. também p.64 e 65

    [41]Roberto Sicuteri.Lilith , a lua Negra. Ru, Paz e terra, 1985,p.115

    [42]idem,ibid.p.114

    [43]Jean Delumeau.La peur en Occident.XIVè.-XVIIIè. sièlces, Paris, Fayard, 1978, cap.10

    [44]idem, ibid.p.317 e seg.

    [45]idem, ibid.p.320

    [46]apud Jean Delumeau,op.cit.p.320 a322

    [47]Régine Pernoud.La femme au temps des cathédrales, Paris, Stock, 1980,p.330

    [48]idem, ibid.p.324

    [49]Christine de Piszan.La cité des dames,Paris, Stock/Moyen Age, 1986.

    [50]idem, ibid.cap.VIII

    [51]idem, ibid.p.233 e 234.

    [52]Régine Pernoud.Pour en finir avec le Moyne Age.Paris, Seuil, 1977, p.96

    [53]Régine Pernoud.Les femmes... op.cit.

    [54]apud Lederer.op.cit. p.182

    [55]Anne Brenon, Les femmes cathares, Paris, Perrin, 1992, p.84

    [56]Jacques Sprenger e Henry Institoris.Malleus Maleficarum ,Le marteau des sorcières,trad. Amand Danet, Grenoble, Millou, 1990,p.17

    [57]idem,ibid.p.53

    [58]idem, ibid. p.173

    [59]idem,ibid.p.177

    [60]Roland Villeneuve.Les procès de sorcellerie, Paris, Payot, 1979, p.13

    [61]E.O. James.op.cit.p.191 e seg.

    [62]Pierre Gordon.Essais - Les Vierges Noires, Mélusine, l'origine et sens des contes de fées.Neuilly sur Seine, Arma Artis, 1987,p.1 a 4

    [63]E.Saillens.Nos Vierges Noires,Paris, 1945, apud Gordon,op.cit. p.2

    [64]Robert Barroux.Statue et légende de Isis à S.G. de Près in Moyen Age, 1959, no3, apud Guide de Paris mystérieux, Paris, Sand, 1985, p.86 e 397

    [65]Jean Delumeau.op.cit.p.368

    [66]idem,ibid.p.365

    [67]apud Roland Villeneuve.op.cit.p.16