Christina Dodwell, a aventura colada à pele 

tania navarro swain

 

Resumo : Uma dentre tantas mulheres de aventura, Christina Dodwell percorreu o mundo, na maior parte do tempo sozinha, sem caminhos traçados, sem objetivo definido. O gosto pela aventura não tem sabor comparável. O desejo de conhecer, de explorar, de andar onde ninguém havia ainda posto os pés, desvirtuado o solo. Seu desejo de liberdade é sua companhia em longas jornadas solitárias. Christina desmente todos os discursos sobre a fraqueza e a falta de iniciativa das mulheres.

« Avant d´entreprendre mes voyages autour du monde, je menais la vie banale d´une citadine moderne. Je portais des vêtements à la mode, me désolais de la perte d´un objet auquel j´étais attachée, et j´avais viscéralement peur du noir. » (Dodwell, 9)

O desejo de aventura a fez ultrapassar todos os medos. Em 1975 parte para sua primeira grande viagem na África. São 4, duas mulheres e dois homens. Entretanto,

 « [...] un beau soir, après une traversée épuisante du Sahara, les deux garçons nous faussèrent compagnie sans crier gare, emportant avec eux le véhicule et l´équipement. » (9)

Bandidos, simplesmente. Como agir face a este gesto tão inesperado quanto traiçoeiro ? A esta falta absoluta de víveres e equipamentos? Típico daqueles que vivem o desprezo por outrem.

Christina conta esta história e outras de seus périplos na África em um livro, Travels with Fortune; escreveu vários outros, ao sabor de suas aventuras.

Com sua amiga Lesley Jamieson, percorreu a África do Oeste, primeiro a pé, depois a cavalo. Em uma piroga, elas fizeram mais de 1 500 km em rios e riachos, sem um traçado preciso.

 « Nous n´avions ni carte ni provisions de bouche ; je m´en effrayai d´abord, avant de comprendre que l´obstination et l´endurance pouvaient fort bien pallier le dénuement moral et matériel où nous étions. [...] Nous avions tenu. J´en ressentais une certaine fierté. » (9)

Durou um ano esta experiência, cheia de prazeres e de armadilhas e em seguida Lesley e Christina tomaram caminhos diferentes. Lesley queria voltar para a América, mas Christina não queria ainda voltar para casa. Continuou então sua viagem pela África sozinha, durante mais dois anos, novamente a pé, a cavalo e também em camelos. Ela conta em poucas palavras:

 « Sur le dos d´un poney du désert, flanquée d´un chameau de bât, je remontais la vallée du Rift, en direction de l´Ethiopie. La traversée du désert fut riche en difficultés et désastres divers : il me fallut chercher des pâturages pour nourrir mes bêtes, creuser les lits asséchés des rivières, me protéger des groupes de bandits, supporter la morsure d´une araignée venimeuse qui me paralysa pendant une semaine. Finalement, j´arrivai dans une Ethiopie déchirée par la guerre, où l´armée me prit pour une espionne et m´arrêta. Lorsqu´on me relâcha, je décidai que l´expédition était terminée et me réjouis à l´idée de retourner en Angleterre. » (10)

 

Tres anos de aventuras na África, entre 1975 e 1978.

De fato, este tipo de viagem torna-se um modo de vida, cola à pele, em uma figuração do mundo cuja cartografia deve ser desenhada a cada passo, a cada cruzamento. É o desejo da descoberta, o movimento que supera todos os inconvenientes, todos os perigos ,suplanta o medo, a fadiga, os aborrecimentos de um árduo quotidiano. Resta o prazer do caminhar, as paisagens, os animais, a beleza de uma terra selvagem que apenas os homens podem deteriorar. E a liberdade de traçar suas trilhas, sem mesmo deixar vestígios. O que se esconde atrás daquela montanha, nas florestas cheias de mistérios, nas margens dos rios, além da vereda? Não é um objetivo que importa, é apenas o caminhar.

Christina tomou gosto pela solidão e todas as viagens que fez em seguida, as realizou sozinha. As escolhas dos percursos, as direções, os meios de transporte, os destinos, tudo se baseava apenas em sua vontade. Assim ela percorreu a China, a Turquia, o Irã, a Sibéria. O cavalo era seu meio de transporte favorito.

Quanto a Papuásia- Nova Guiné, Christina continuou com o mesmo esquema, sozinha, sem objetivo preciso, apenas a descoberta, a viagem. A aventura em seu estado mais puro: uma pequena mochila, nada previsto com antecedência, nada confortável, seguindo traçados antigos, a floresta, os estranhos animais, os rios a atravessar, a chuva a suportar. E as pessoas, o encontro com culturas totalmente diferentes da sua, o que exigia delicadeza e muitos sorrisos.

Exploradora intrépida, Christina é um exemplo contemporâneo da capacidade de perseverar e da coragem das mulheres.

 

O olhar patriarcal

Mulheres como Christina, existiram e existem em grande número, no presente e no passado, exploradoras, aventureira, viajantes, desbravadora, navegadora, pilotos, etc. Em frio extremo ou calor intenso, as mulheres percorreram as terras, os oceanos, os ares. Elas quebraram os tabus, as oposições, arriscaram o opróbrio , a rejeição, a maledicência, mas elas, como Christina, realizaram seus projetos, e assim conquistaram a admiração, os louros e as honras de seus contemporâneos.

Entretanto, estas mulheres de ação, apesar de suas proezas foram rapidamente esquecidas, suas pegadas apagadas da memória social que não guarda senão os feitos dos homens.

O patriarcado não tolera que se mostre as capacidades das mulheres, sua força, sua bravura, afim de manter viva a imagem da mulher dócil, dependente, fixada à domesticidade.

Pode-se argumentar que as mulheres só começaram a se aventurar na atualidade, depois que as feministas contemporâneas abriram-lhes as portas do mundo do político, do emprego, do esporte, da viagem. Mas isto é apenas a ignorância sobre a ação das mulheres na história humana, metodicamente cultivada pelo patriarcado.

O dossiê « mulheres de aventura » que a revista Labrys vem publicando há alguns números, pretende aos poucos suprimir esta brecha, criada e sustentada pelas narrativas históricas. Apesar do discurso corrente segundo o qual a relação binária e hierárquica entre os sexos viria da noite dos tempos, a história feminista, na qual se insere a aventura no feminino, mostra que as normas existem de modo específico em cada formação social e que as generalizações não são senão um abuso intelectual.

Entretanto, tudo está para ser feito e refeito, pois existem três obstáculos: primeiro uma história positivista feita de certezas e verdades, tais como a “diferença sexual”, que não vê e não procura desvelar a diversidade das cores e dos fios que tecem as relações humanas. É este tipo de história que funda a memória social e suas narrativas sobre os costumes e tradições, que se tornam assim verdades pela força da reiteração. E são estas narrativas que sustentam os grandes discursos sobre o humano, no masculino, na maior parte do tempo sem fundamento. Que resta das formações sociais antes dos gregos, ponto de partida preferido do ensino da história, senão os discursos? Que resta nos discursos dos inumeráveis traços deixados pelos grupos humanos senão a seleção enviesada pelo patriarcado?

O segundo obstáculo é a representação social das mulheres, premissa fundadora das pesquisas, cuja base é a biologia. Esta representação constrói um sistema binário das relações entre mulheres e homens no social como sendo fatos naturais e indiscutíveis.

O terceiro empecilho é a linguagem, que utiliza o masculino para significar o humano, fazendo assim desaparecer completamente as atividades das mulheres no social e sobretudo no imaginário.  Um simples exemplo: as mulheres, que sustentaram a indústria e particularmente a produção de armas e munições durante a primeira e a segunda guerra mundial foram rapidamente transformadas em “operários” nas narrativas históricas.

Estes três obstáculos cobrem todos os campos das ciências e criam a evidência onde ela não existe. Uma certa antropologia, por exemplo, se aplica, sem buscar a gama das possibilidade, a descrever e compreender as culturas nomeadas “primitivas”, fora de suas próprias condições de produção e de imaginação, atravessadas pela naturalização da hierarquia sexual e do binarismo social.

É assim que o olhar antropológico pousa invariavelmente sobre as ações e os comportamentos dos homens:  é uma pré- concepção do mundo que não deixa lugar a uma análise mais refinada das relações humanas. [i]

Quais são os documentos que dispomos para uma história feminista? Os textos já analisados, oriundos das instituições políticas e sociais são um primeiro espaço de pesquisa, pois revê- los abre um espaço enorme para novas perspectivas. A presença das mulheres não era sequer mencionada ou percebida nas análises conhecidas.

Em seguida, outras fontes desprezadas pela história oficial: os jornais, os diários, as correspondências, tudo que resta da produção humana e sobretudo das mulheres.

As imagens são igualmente fontes extraordinárias para uma história feminista, pois expõem a ação e presença das mulheres lá mesmo onde foram excluídas dos discursos sociais. As iluminuras da Idade Média, os afrescos da antiguidade, os quadros, as pinturas rupestres, as fotografias e finalmente, o cinema, os vídeos. Os livros escritos pelas aventureiras são igualmente fonte de conhecimentos sobre as mulheres do ocidente e de alhures.

Uma história feminista é uma história das possibilidades, da diversidade, uma história do possível.

 

Ah ! estas mulheres de aventura !

O que fazem, estas mulheres de aventura ? Segundo a época, elas quebram os tabus, sobretudo aqueles que lhes  negam a condição de sujeito político e de ação no feminino. Por outro lado, mostram que os limites impostos às mulheres não eram assim tão fechados como nos querem nos fazer crer e às vezes nem existiam.

Pois a própria estrutura da história é o esquecimento. E este se tornou o lugar das mulheres no imaginário que  constrói o humano, isto é, a não existência. Cabe à história feminista despistar seus traços e escrever uma nova história: aquela que nomeio história do possível, de todas as eventualidades que presidem o agenciamento humano. E estas não são forçosamente baseadas em um binário sexuado incontornável.

Christina, como tantas outras, provou o valor e o espírito de aventura das mulheres, ultrapassando as representações “naturais” do feminino. Suas viagem foram um desafio/prazer, que importam as dificuldades! Ela fez da solidão uma vantagem e uma necessidade,  apesar do perigo evidente de estar só durante longas viagens através territórios pouco explorados.  Christina penetrou as florestas, os pântanos, navegou em piroga sobre rios da Papuásia Nova Guiné e aprendeu, aos poucos, não somente a se comunicar com as tribos,  mas igualmente a decodificar certos usos e costumes.

Papuásia, Nova Guiné em vermelho

 

A preparação da viagem foi um grande prazer e Christina escolheu esta região depois de analisar vários países, entre os quais o Brasil, o Peru, o Tibet... Pois:

« [...] la Papouasie- Nouvelle Guinée présente des régions plus hostiles, une jungle plus traîtresse et plus impénétrable que toute autre contrée tropicale, L´Amazonie et l´Afrique incluses. Cette perspective m´enchantait » (11)

Para lá chegar desprezou a facilidade do avião para não deixar de lado vários locais:

 « [...] le voyage par voie de terre exigerait probablement plus d´années et plus d´énergie que mon corps n´en eût disposé. » considéra-t-elle. (11)

Todavia, para chegar na Tailândia, ponto de partida para a Papuásia, tomou o avião. Em seguida, contava passar pela Malásia e ir de ilha em ilha de navio para chegar à seu destino e assim o fez.

Como tantas mulheres de aventura, seu equipamento era sumário:

 « [...] j´avais seulement besoin de corned-beef, de fruits secs, de sel, de cachets de vitamines, d´une boussole, d´un hamac, d´une tente, de menues babioles à offrir à mes hôtes éventuels et de quelques photos de famille. J´emportai aussi plusieurs jupes longues [...] » 

Em dezembro 1979, sem preocupação com horários nem com o tempo gasto, Christina ficou três meses com os “povos da floresta” no norte da Tailândia. Aprendeu a maestria de conduzir um elefante e era em seu dorso que se movia de um lugar para outro. A floresta todavia exigia seu preço: febre, fadiga, perda de 15 kg. A aldeia de Pang-yi, construída sobre pilotis cujos habitantes viviam do comércio de pérolas, revelou-se um bom lugar para o repouso e recuperação de forças.

Christina começa a viver então o que seria seu quotidiano durante o próximo ano desta aventura: abrigada pelos habitantes, quase sem conhecer sua língua, ela toma, entretanto, o ritmo de suas vidas e goza, em toda parte, de uma incrível hospitalidade.

A Pang-yi, estava sempre acompanhada por um alegre grupo de meninas que se divertiam vestindo-a e enfeitando-a à sua maneira, ensinando-a o thai e os costumes locais. Sua necessidade de solidão, entretanto, sofria.

 « Un jour, tout un groupe de femmes est arrivé, suivi de chèvres menées par leurs chevriers, si bien que, sur la petite plate-forme où je me trouvais, on pouvait compter trente personnes et dix animaux, tous serrés les uns contre les autres. » (17)

O chamado das trilhas se fez sentir. A Malásia era sua próxima etapa: lá, participou do grande festival hindu consagrado a Shiva, o Thaipusam, cujas cerimônias deviam purificar as almas e dar-lhes vigor,

 « Etrangement, quand le silence se fit à nouveau, je me sentis revigorée et confiante en mon destin. » (21)

Em seguida, Malaca, povoada principalmente por chineses, de onde Christina partiu para Cingapura, em seguida Java, Bali e finalmente partiu , pelo porto principal de Java, Surabaya, com destino à Papuásia. Não havia linhas regulares ou diretas, era preciso portanto esperar que algum navio partisse na direção da Papuásia, (26)

Java é composta de 13.500 ilhas, habitadas por 350 etnias, segundo as informações recolhidas por Christina. Civilizações muito antigas ali floresceram, deixando vestígios e templos a maioria em ruínas.  (23) A ilha principal era super-povada, o calor, o barulho foram um calvário para  Christina.

A imagem mostra a distancia percorrida pelo navio de Christina de Java à Papuásia, em voo livre.

( itinerário do navio em vermelho)

 

Esta região do planeta é fascinante para quem ama o viajar. Os nomes evocam o estranho , o maravilhoso, sonhostenebrosos, seres aterrorizantes: mar de Banda, das Flores, de Java, das Molucas, de Savu, de Ceram, estreito de Malaca, ilhas desconhecias ao sabor da história, das explorações, dos naufrágios. As fossas abissais do Pacífico se encontram lá, sobretudo no mar de Banda, ( azul escuro na imagem( situada no cruzamento  de tres placas tectônicas maiores : Asia,  Pacífico e Austrália, de onde podem surgir todos os monstros, imaginários ou não, pavor de todos os marinheiros, mesmo os mais experientes.

A travessia de todos estes mares foi épica: Christina embarcou em um cargueiro superlotado!

« Je ne trouvais pas la moindre place sur le pont, à cause des énormes piles de marchandises et de la foule de passagers chargés de balluchons et de paniers à poulets.[...] C´est à la proue du bateau que j´élus finalement domicile au–dessus d´un énorme rouleau de cordages. Je suspendis mon hamac entre deux hauts conduits de ventilation. » (26)

Em dois dias o navio estava cheio de lixo, água suja invadindo o solo, ali mesmo onde as pessoas acampavam. As toaletes ficaram rapidamente entupidas, apesar de uma limpeza quotidiana, nada de ducha, apenas a água do mar. O navio ademais, teve uma pane num calor tórrido! Tres refeições por dia, mas apenas arroz e cabeças de peixe.

« J´étais furieuse contre moi-même d´avoir mis les pieds sur ce bateau sans avoir prévu les conditions de vie à bord. Comme j´étais la seule Blanche, j´étais continuellement entourée. On me suivait où que j´allasse. J´avais des spectateurs même lorsque je me brossais les dents et je fus constamment ennuyée par des jeunes idiots qui me lançaient des quolibets en indonésien ponctués de grands éclats de rire. » (27)

E para a infelicidade desta amante de solidão, este tormento iria durar três semanas! Mas finalmente Christina decidiu tomar as coisas tal como eram: começou a aprender o indonésio com seus numerosos companheiros de viagem, do soldado ao comerciante, passando por universitários e prostitutas. (28) Decidiu aproveitar o espetáculo da multidão, que era contínuo : as pessoas iam e vinham, sorrindo, gentis, apesar de uma presença sufocante. Além disto, os cardumes de peixes, as baleias, os pássaros, tudo podia ser uma distração.

Para cúmulo, embarcaram 800 bovinos e uma centena de cabras, aos quais é preciso acrescentar os touros selvagens e furiosos, assim como imensos fardos de fenos, um desafio à razão! O embarque foi feito por redes, polias, uma gritaria, 24 horas para colocar os animais a bordo, espectadores que caíam no mar na confusão geral, havia tudo para um espetáculo único. (29) E os alto falantes a todo volume acrescentavam o insuportável ao pitoresco .

A cabotagem se fazia lentamente, cada parada uma novidade, os comerciantes que subiam e desciam a bordo, o ruído intenso omnipresente; o desembarque de 300 bovinos para um povoado onde não havia porto, foi realizado através de jangadas em bambu ou embarcações carcomidas da 2ª guerra. (30-31)

O navio aportou ainda muitas vezes em ilhas onde encontrava passagem ; durante todo o tempo, a descoberto, Christina suportou a chuva ou o tórrido calor, mas isto era a viagem, seus prazeres e suas penas! Com o tempo,

 « Le bateau était devenu un véritable village flottant où chacun connaissait les gens de son ‘quartier’. » (31)

Christina fez bons amigos que a acolheram em suas famílias quando chegaram a seu destino, Jayapura, a modesta capital da metade indonesia da ilha de Nova Guiné.

Os dois pontos na imagem marcam os povoados de fronteira entre a parte indonesiana e a Papuásia Nova Guiné.  

 

Lá contaram-lhe horríveis histórias de canibalismo das tribos vizinhas, missionários despedaçados, mas isto não a impediu de circular entre os Dani, no vale de Ballem, cujo povoado era fortificado com altas torres de vigia. Por ocasião de sua visita, nada de hostilidade entre estes vizinhos, que estavam sempre em pé de guerra. Sorte.

Christina encontrou pesquisadores, dos quais procurou se diferenciar :

 « Cette tranquillité fut interrompue par l´arrivée d´un groupe d´anthropologues qui s´agitaient comme des insectes. Leur présence me mettait mal à l´aise. Je ne tenais pas à me joindre à eux : j´étais une voyageuse solitaire et non un membre d´une expédition de savants. » (33)

De repente, pânico ! Seu visto indonesio estava vencido ! Burocracia, discussões, angústia, finalmente foi resolvido expedi-la em um avião imediatamente para a Papuásia Nova Guiné ( do outro lado da ilha) e re-pânico! Seu visto para lá entrar expirava no dia seguinte. Ainda mais, sua vacina contra   cólera, obrigatória, estava também vencida! Resultado: não pode tomar o avião (um por semana) e não podia mais ficar na Indonésia.(33)

« J´avais l´impression de perdre pied. Il m´avait fallu huit mois d´un voyage pénible pour atteindre la Papouasie- Nouvelle Guinée et voilà qu´on me claquait la porte au nez. L´idée que l´on allait me renvoyer chez moi alors que j´étais si près du but m´était insupportable. Les larmes me montaient au yeux. » (34)

Se a solidão pode ser uma delícia, face à imigração e à burocracia, seria ótimo não estar sozinha, sem um apoio, uma amizade. Ser extraditada era a menor dos aborrecimentos que poderia ter. Além disto, fingindo uma segurança que não experimentava, preveniu os chefes do serviço de imigração que não daria suborno nenhum e que não se deixaria dobrar por demonstrações de autoridade. Os dados estavam lançados.

E ela ganhou. Enviaram-na para seu destino em uma canoa do guarda-costas. De Jayapura à Vanimo, a distancia era curta. (ver imagem acima)

 « Quand nous entrâmes dans les eaux territoriales de la Papouasie-Nouvelle Guinée, je me sentis envahie par la peur. Loin sur notre droite, une côté inhospitalière déroulait ses marais infestés de malaria et de marécages de mangrove. Au-delà, une jungle dense, tentaculaire, étouffait jusqu´aux montagnes. Nulle trace de vie humaine. C´était pour atteindre ce pays-là que j´avais parcouru la moitié du globe ! » (35)

Todos que se aventuram em destinos assim longínquos e ignotos se colocam estas questões. É um clássico.

E enfim começa sua verdadeira viagem, o objeto desta aventura, que não tinha uma finalidade precisa, senão a descoberta e a paixão da viagem, do caminhar.

 

Ilha quase na ponta norte da Austrália -Papuásia Nova Guiné

1526, os portugueses « descobrem » as ilhas e as denominam Ilhas dos Papuas, ou seja, ilha dos carapinhas, em malásio. Mais tarde, para assegurar seu império indonésio, a Holanda ocupou a parte ocidental da ilha, hoje pertencente à Indonésia.  (36)

Alemães, britânicos, australianos ali se sucederam e finalmente, em 1975 o território conseguiu sua independência, os colonizadores exaustos pelo calor e o clima hostil.

. « La chaleur, le climat malsain, l´environnement hostile avaient eu raison de l´avidité des grandes puissances occidentales », dit-elle. (36)

A língua comum, o pidgin, ensinado nas escolas, era uma mistura de inglês, de alemão, de chinês, de malaio, de português, entre outros e era a ponte de comunicação entre as diversas tribos e seus dialetos específicos. (37) Mas de fato, ninguém falava pidgin na verdade.

Seu primeiro alojamento na ilha foi a casa de missionários americanos no povoado de Vanino. A falta de infraestrutura turística fazia com que a única forma de se abrigar era na casa dos habitantes, método usado em todo seu percurso no interior das terras. De Vanimo, Christina devia partir, mas por onde? Ela não tinha a menor ideia, mais queria encontrar tribos desconhecidas e conhecer o interior da ilha. O país, atravessado em seu comprimento por uma cadeia de montanhas  não tinha praticamente nenhuma estrada ligando os povoados entre eles. Christina auscultou as diversas possiblidades e finalmente decidiu na sorte :

« Étalant la carte, j´y laissai choir un crayon qui tomba sur les hautes montagnes, au point le plus reculé de la cordillère et le moins connu de la Papouasie-Nouvelle Guinée. Va pour les hautes montagnes ! »(38)

Mas ainda era preciso encontrar um avião que a levasse até lá. E em seguida, direção para o oeste, a pé, para atingir uma improvável pista, marcada no mapa por um traço vermelho. (38) 

De Vamino a OKP-Oksapmin, , cerca de 300 km pelo ar.

(os traços azuis são os inumeráveis rios e riachos) .

Em Teleformin Christina viu seus primeiros nativos e os descreve, mulheres e homens:

« [...] les femmes allaient les seins nus et portaient des jupes d´herbes. Les hommes étaient petits, bruns de peau et barbus. Un nez proéminent, recourbé, soit percé d´une tige, soit traversé par d´étranges pointes courtes. Aucun ne s´exprimait en pidgin ; leurs intonations, perçantes et saccadés, leur donnaient un air féroce. Cela me rappela que l´on m´avait parlé à Vanimo de meurtres récemment commis à Teleformin par des cannibales » (39)

Sobre os canibais, Christina tomou nota, mas não deu grande importância. Seu anfitrião em Oksapmin, um inglês, voltou com o piloto e ela ficou sozinha para montar sua expedição ao Lake Kopiago.  Ninguém falava corretamente o pidgin, nem ela, nem os indígenas. Assim, mal e mal montou uma equipe , dois homens, armados de arco e flecha iriam acompanha-la para a primeira parte da viagem. Em seguida.... veremos. (41)

A névoa e o frio caiam ainda na madrugada em que partiram. O caminho era simplesmente um pântano. Para uma viajante experimentada, Christina mostrou-se bem inconsequente: sem botas, suas cangas arrastavam na lama. Resultado: continuou o caminho com os pés descalços! (45)

Christina se extasia diante da floresta, dos animais, tudo que via era novidade! Encontrou poucas pessoas no caminho, duas mulheres que se dirigiam a outras cabanas, dois caçadores. As mulheres, que me interessam especialmente aqui, e das quais ela fala muitas vezes, tinham várias tatuagens.

 « [...] lignes de points et de traits tatouées sur leur visage. Sur le front, les lignes suivaient la courbe des sourcils ; les tempes étaient marquées d´étoiles et le centre du front s´ornait d´un soleil. » (46)

As passagens das ravinas se faziam sobre troncos escorregadios e Christina insistia em atravessá-las, apesar do medo que a paralisava às vezes. Mas em geral para ela a caminhada era como um jogo! Escalada, descida, escalada, com 8 horas de marcha, porém, estava exausta.Ainda não se recuperara totalmente de sua doença na Tailândia.

De um lugar a outro, Christina observou enfeites diversos : em sua próxima etapa as mulheres do povoado com apenas duas cabanas, usavam saias de palha e os lobos das orelhas eram distendidos por anéis de bambu. A maior parte dos homens tinha o nariz perfurado por dentes de porco.(49)

Durante esta viagem, Christina foi hospedada pelos habitantes, missionários ou dormia simplesmente sob as estrelas. As tribos da Papuásia eram cerca de 700 e cada uma tinha um dialeto. Cada tribo contava, segundo a autora , entre 50 e 100 homens– e identificamos perfeitamente  o imaginário antropológico nesta cifra, que não conta senão os machos. É deste modo que as mulheres se tornam invisíveis.  (51)

Ela era sempre um motivo de curiosidade e se via cercada pelos habitantes a todo momento, trocando saudações mas observando-a discretamente. (51)

No trajeto, ela caminhou ao longo do território dos Hewa, oficialmente classificado «  zona de acesso restrito », fechado aos estrangeiros até 1977 e jamais explorado. (50)

Quando seu périplo a obrigou a atravessar uma torrente furiosa onde vários haviam perecido, teve que abandonar a ideia de atravessá-la nadando, como era sua intenção. Asseguraram-lhe que sem uma jangada seria levada pela correnteza. A jangada de fato eram algumas toras amarradas juntas, que serviam de apoio individual, agarrando-se aos cipós que as ligavam e nadando ao mesmo tempo com as pernas.

 « Il ne s´agissait en aucun cas d´un défi que je me serais lancé à moi-même. Je n´apprécie guère ces petits jeux de l´orgueil et de la vanité. Plus simplement, ici, dans ce pays, loin de tout, il me semblait que certaines choses devaient être réalisées pour la seule raison qu´elles faisaient partie de la vie quotidienne. » (52)

Foram os sombrios Hewa que a encorajaram a atravessar a torrente, construindo para ela uma pequena jangada individual, propondo-se a lhe servir de guia após a travessia.

Três homens se jogaram nas águas revoltas, um deles com sua bagagem. Uma jangada se quebrou e seu ocupante foi levado rio abaixo. Apesar do medo que a gelava, mais frio que água , Christina se lançou na torrente lamacenta:

« Mes jambes battaient l´eau avec l´énergie du désespoir. J´avais les oreilles emplies du rugissement du torrent et mes poignets devenaient blancs sous l´effort que je faisais pour me cramponner au radeau [...] Au milieu de la rivière, à mon grand étonnement, l´angoisse qui m´oppressait se changea soudain en un violent sentiment d´excitation. » (53)

Uma vez na outra margen, os Hewa, impassíveis queriam partir imediatamente através da floresta, abrindo uma trilha na medida em que avançavam. E pântanos, pedras, ravinas, fadiga, exaustão, marcha forçada até o crepúsculo e de repente, [...] une lampe de brousse annonçait « [...] une ravissant hutte perchée à flanc de montagne. » (55)

O prazer do repouso equilibrava o prazer da aventura.

Esta imagem mostra uma parte do caminho que Christina fez a pé,

mais de 300km através florestas, canyons, e na maior parte do tempo, incrivelmente,  descalça.

 

A respeito das mulheres

Foucault convidava a destruir as evidencias. (1971) Em várias ocasiões, Christina observou que as mulheres e os homens comiam separadamente e as primeiras não podiam entrar na cabana dos homens. Mas aos homens era permitido entrar na cabana das mulheres? (60-61) Esta pergunta nunca é feita pois o interesse dos antropólogos se dirige principalmente aos homens, segundo suas premissas binárias e hierárquicas. Comer separadamente, aliás, em si não significa nada.

Ela diz que um homem podia « possuir » duas mulheres. Ao  desconstruir as evidencias, porém, não seria possível que duas mulheres partilhassem o mesmo homem? Por outro lado, as mulheres detinham a maior riqueza, cuja concepção era comum às diferentes tribos que ela encontrou: a posse dos suínos e sua criação.

Christina conta a respeito de um dia de eleição em Kraimbit; há um resultado, mas não se sabe quem votou, se havia restrições ou se todos podiam votar. É ainda o masculino genérico que engloba tudo e significa o que se quer significar.

Christina nota igualmente que se pratica a « compra » das mulheres, trocando-se suínos. (120) Não seria apenas um presente feito às mulheres de um clã a outro, por esta transferência familiar? Como estabelecer uma significação social quando mal se toca os sentidos das palavras? Christina não consegue se libertar do imaginário patriarcal Além disto, um traço particular das relações sociais dos Hewa era conferir a maior importância ao fato de dar, em lugar de receber:

« Grande est la rivalité entre les villages. La supériorité se mesure au nombre de biens offerts. La générosité est totalement absente de cette opération qui fait partie intégrante du système économique. Les règles sont inversées : alors que nous mesurons la richesse à l´aune de ce que nous possédons, eux l´évaluent à ce qu´ils donnent. Les clans doivent souvent emprunter pour offrir le plus possible. Mais les dettes « enrichissent », car la banqueroute confère statut social et prestige. » (80 ; 99)

Para elaborar uma história ou uma antropologia feminista é preciso sempre inverter os cânones habituais de pensamento, do olhar, para chegar a outras hipóteses que não seja as costumeira.

Se partirmos da certeza que os homens são mais importantes, eles o serão efetivamente nos discursos que analisam as relações humanas. Sem se propor a fazer observações “científicas”, Christina explica que os Hewa, seminômades, ferozes, tinham uma cultura artística. E faz o inventário de sua produção, deixando, porém supor, no uso do masculino universal, que era obra masculina. A pergunta que fica é: porque as mulheres não seriam as autoras destas obras? (56) Silêncio.

Os e as pesquisadoras são aparentemente incapazes de imaginar uma sociedade onde o masculino não seja predominante. Sua análise, no que diz respeito aos gêneros, é enviesada pelos prejulgamentos da norma heterossexual, da predominância do masculino. É um discurso fundado na “natureza” humana, cujas bases não podem ter origem senão no divino, ou seja, em uma construção humana do que seria divino.

A desconstrução das evidências é o meio que nos permite mergulhar no universo de outrem, sem manchá-lo com nossas próprias condições de produção. É um salto imaginativo que recompõe os discursos além de um imaginário domesticado.

Christina tem a humildade de confessaar :

«Je devais garder à l´esprit que les gens répondait souvent ‘oui’ à une question qu´ils n´avaient pas comprise, à moins qu´à leurs yeux la politesse n´exigeât que l´un fût toujours d´accord avec son interlocuteur.[...] Mais il est certain, par ailleurs, qu´il m´est arrivé de mal interpréter leurs propos. » (115)

É evidente que a complexidade das relações sociais não pode permitir generalizações abusivas. Nas tribos que Christina visitou, as mulheres tomavam parte em todas as atividades: pescavam, tinham suas pirogas, e navegavam alegremente sobre as águas; dançavam em todas as festas, escolhendo seus pares, se enfeitavam, se tatuavam, tinham seus rituais de escarificação, suas cabanas, faziam reuniões exclusivamente femininas, possuíam suas próprias canções, criavam porcos, plantavam, colhiam. Sua importância era indiscutível e sua liberdade também. (46 ;114-100 ; 89 ; 84 ; 122 ; 100 ; 166 ; 167 ; 157 ; 183 ; 196 ;200 ; 201 ;207, par exemple)

Uma história feminista não tomaria necessariamente apenas as mulheres como objeto específico, mas abandonaria as premissas e os prejulgamentos sobre a “diferença” dos sexos, sobre a hierarquia sexuada, sobre um binarismo incontornável. Estas categorias não fazem senão reduzir as relações sociais, em sua temporalidade e espacialidade, a um mesmo modelo, o binário hierárquico, dominado pelo masculino. É de fato contra esta norma de bio-poder que se erigem as feministas.

Em consequência, o fato de um observador se servir destas categorias em formações sociais distantes, tanto no tempo quanto no espaço cultural, constitui um abuso intelectual. As feministas retomam a história para melhor transformar o imaginário sobre o humano, para refazer uma memória social que não se apoia mais sobre o esquecimento, mas sobre a descoberta.

Christina, que não tem a preocupação dos métodos de observação, nos oferece suas impressões, às vezes contraditórias, mas repletas de todas as possibilidades do agenciamento humano. Como outras mulheres de aventura, seu olhar se dirige sobre detalhes normalmente considerados irrelevantes, o que faz delas material precioso para uma história feminista.

 

 

De volta à viagem

Por montanhas e vales, Christina continua sua viagem sem guia, apenas com seu novo companheiro, Horse, seu cavalo.

 « C´était un arabe pur sang, sans prétention ; il mesurait 1,50 m, sa robe était blanche, par endroits mouchetée de brun. » (77)

Bem treinada em andar a cavalo, depois de sua viagem de 9000km na Africa, Christina não teve problemas com seu garanhão, mas levou algum tempo para que ele se habitue a ela. Mais tarde, ela comenta:

 « J´aimais aussi la façon affectueuse qu´avait Horse de me rejoindre et de fourrer son nez contre mon épaule à chaque fois que je m´arrêtais. » (89)

Ao hospedar-se com os nativos, estes mostravam-se muitas vezes espantados com seu cavalo. Uma bela manhã, Christina foi buscar Horse, mas ele havia desaparecido. Roubado. Depois de muita busca e angústia, encontrou-o mas o ladrão, furioso, pretendia havê-lo encontrado e adotado, pois "estava abandonado". Além disto, pedia compensações! Ela teve que pagar para recuperar seu cavalo, mas conseguiu um terço do preço que ele pedia. (90)

Nas montanhas que atravessou, habitavam numerosas tribos Mendi, cerca de 600, que viviam ainda na idade da pedra e cujos utensílios eram fabricados de osso e justamente, de pedras. (93) Outros clãs só foram descobertos em 1977, pois as explorações no interior das terras foram interrompidas pela 2a guerra. (94)

As cavalgadas de  Christina são de arrepiar :

« Remonter la côte qui s´élevait en face fut un enfer ; les chemins avaient été conçus pour des gens capables de grimper à quatre pattes en s´aidant des racines et des creux de la roche. Quant aux descentes, elles étaient tout simplement terrifiantes. Le sol était pierreux, abrupt, rendu glissant par la boue. Un jour que je menais Horse le long de l´une d´elles, il dérapa et descendit si vite qu´il m´eût piétinée si je n´avais pas sauté de côté. » (79)

Percorreu as montanhas e trilhas que subiam a 2300/2700 m de altitude. Chuva, névoa, frio. faziam parte integrante deste momento de sua viagem.

Cavalgava sozinha, saboreando os sons da floresta, as cores da paisagem, o infinito prazer da solidão. A 2100 m já fazia frio , chovia sem parar, a madeira para fogueira estava molhada, a roupa encharcadas. A viagem também é feita de fadiga, de inconvenientes como estes, além de fome, desânimo, eventuais doenças, febre, pequenas ulcerações tropicais, ou grandes feridas.

« Je ne me sentais pas très bien, probablement à cause du régime alimentaire médiocre que j´avais adopté depuis quelque temps et aussi en raison d´une mauvaise toux attrapée au contact des enfants. » (189)

Mas ela conseguiu ultrapassar todos estes desconfortos, os nativos eram tão gentis, partilhavam tudo: viveu, comeu, dançou, cantou com eles em seus encontros fortuitos ou prolongados.

Christina, não querendo ofendê-los comia de tudo, como por exemplo, larvas ! Não é de espantar que sofresse consequências.

 « Ma fièvre montait. Je perdis la notion des jours. J´étais en sueur, partagée entre le délire et un état de semi-conscience. J´aurais donné cher pour un bon lit et la présence de ma mère. Elle m´aurait dorlotée, régalée de toasts au fromage et de milk-shake... Au plus fort de mon agitation, j´avais la sensation de me noyer. » (194)

Isto poderia ter acabaddo muito mal, mas ela se recuperou.

Christina teve alguns problemas desagradáveis com homens: um grupo de jovens a seguiu e exigiam seu dinheiro e seu cavalo. (100) Assim como com o ladrão de Horse, ela discutiu, sua faca em punho, para não ser totalmente despojada, mas eles estavam decididos a roubá-la.  (101) Apesar do medo,  

« Je pris mon air le plus courroucé pour leur annoncer que j´irais trouver le chef de leur village et lui rapporterais leur tentative de vol. Cela eut l´effet de les calmer immédiatement [...]. (101)

Christina não sofreu assédios propriamente sexuais, com exceção de dois ocidentais que a ajudaram a passar um rio e que queriam a todo preço uma “recompensa”.(102). Com efeito, o patriarcado não é um estado natural do humano, mas um sistema sexuado construído socialmente que permite e estimula a apropriação das mulheres.  

Aliás,  à parte as afirmações dos antropólogos sobre a existência universal do patriarcado, sem nenhuma prova, nada atesta sua existência de maneira geral e atemporal.

É assim que hipóteses tornaram-se certezas.

Sempre a cavalo, Christina percorreu a região montanhosa ; fixava-se muitas vezes em um lugar para em seguida visitar os arredores. Sua viagem foi assim dispersa sobre um imenso território.

 « Le Gap me plaisait. J´aimais ces paysages désolés et l´absence totale de vie humaine. Cela me procurait une immense sensation de liberté : je n´avais ni à décliner mon identité ni à me justifier – je n´étais qu´un élément du ciel et de la terre. (112)

Era já conhecida por toda parte , identificavam-na como Horse Lady. Dois velhos afirmaram-lhe que ela faria parte da história do país e « [...]qui sait- le point de départ de nouvelles légendes... » (114) 

Depois de tantas explorações, a hora do adeus foi chegando. Era preciso se separar de Horse. Como combinado quando o adquiriu ela o deixou com missionários, o coração partido.

 « Les adieux furent déchirants. Le Père Albert répugnait à m´arracher Horse. Il essaya de me consoler en me décrivant sa ferme, le bétail, les chèvres et les juments qui allaient partager la vie de mon cheval. Mais ses paroles ne faisaient qu´aviver ma tristesses.[...] La boue toute fraîche recouvrait sa robe, et sa longue queue blanche s´agitait, pour chasser les mouches. Des larmes me piquèrent les yeux quand je le vis disparaître. » (126-127)

Para se consolar, Christina decidiu de ir ao Mont Wilhelm, ponto mais alto do país, 4500m. Um caminhas-ônibus levou-a até o pé da montanha (132), trajeto extremamente pitoresco, em companhia de passageiros e mercadorias as mais diversas, de galinhas a sacos de café, passando por gasolina e outros. Mas as paisagens eram soberbas.

Christina começou a subir, atravessando florestas, pastagens, vales, para acampar à beira de um lago, a 4000m de altitude. (133)

No cimo, assistiu ao amanhecer, o sol  « [...] qui baignait le ciel de teintes féeriques. » (133) Em baixo, os lagos brilhavam. De retour à mon camp, je goûtai la plus intense sensation de solitude qu´il m´eût jamais été donné de connaître. [...] Qu´est-ce qui peut bien pousser quelqu´un à s´asseoir seul au sommet d´une montagne et à rechercher la société des nuages et des rochers plutôt que celles des hommes ? Quelles tempêtes récolterais-je si je jetais mes filets ? Et quels sont les rêves nébuleux que je poursuis dans le ciel ? « (133)

 

No país dos crocodilos

Para completar sua viagem Christina queria experimentar a navegação sobre o rio Sepik, que cortava as montanhas até o mar ou sobre um dédalo de seus afluentes.

O curso do Sepik

 

Christina chegou ao rio de avião e começou sua navegação sem guia, com um mapa aproximativo. Sua piroga fora cavada em um tronco de árvore, envelhecido pela idade e pelo uso. « La proue épousait la forme de la tête d´un oiseau-crocodile » précise Christina. (143)

Ela não dominava a arte do remo e era com dificuldade que mantinha a piroga em linha reta. Deixou então a embarcação seguir seu caminho levada pelas águas e aproveitou para apreciar a paisagem.  

 « . [...] je pris conscience que ce que prenais depuis un moment pour des bûches disparaissait à mon approche...L´une d´elle avait... des yeux ! Je m´attendais bien à rencontrer des crocodiles, mais pas si tôt. » (144)

Christina  não ia assim exatamente onde desejava, mas seguia  a direção da corrente. Os meandros atemorizavam pois podia perder-se : marcava então as árvores com giz para reconhecer o caminho se por acaso estivesse navegando em círculos. (145)

O cenário  era explêndico :

« Je voguais lentement dans un décor de racines entremêlées en de savantes arabesques, couvertes de mousses et de fougères géantes, d´arbres garnis de guirlandes de sombres plantes grimpantes et d´orchidées bleues. La voûte des arbres filtrait une faible lumière verdâtre, les branches basses étaient voilées de toiles d´araignée. Le silence regagnait, seulement rompu par le bourdonnement des moustiques et les cris des perroquets. La forêt moite exhalait des odeurs d´eaux stagnantes et de fleurs inconnues. Sous les rayons du soleil, l´eau se teintait d´un rouge pourpre du fait de la végétation en décomposition. Univers étrange, fantastique. » (145)

Enquanto vogava no rio Christina teve vários encontros, caçadores de crocodilos, famílias inteiras em pequenas canoas dirigidas por mulheres idosas fumando seus charutos de folha de bananeira.  (155) Em outras ocasiões, hordas de mulheres em piroga se aproximavam e chamavam-na : "  Mulher do Sepik ”! (167)

« Elles avaient entendu parler d´une femme blanche en canoë, mais elles n´y avaient pas cru. Nos bateaux s´aggloméraient comme les pétales d´une fleur de lotus et c´est ainsi que nous nous sommes laissées emporter par le fleuve, mes compagnes chantant leur joie de m´avoir découverte. » (167)

Que bela imagem !

Outras mulheres, ocupadas a pescar, mostraram-lhe a maneira correta de remar. (158) Havia poucos povoados nas redondezas do Sepik, mas sempre foi recebida calorosamente em toda parte.  (148-151)

Certo momento, Christina quase sofreu um desastre, quando sua piroga se encontrou presa no meio de uma correnteza que formava «  espirais insensatas » !

 « Attirée comme par un mouvement de succion, heurtée par un arbre qui tournoyait, j´envisageai le pire. Surtout ne pas chavirer ! » (151)

Quanta adrenalina ! E, além disto, uma fenda havia aberto um lado da piroga. E os crocodilos estavam sempre por perto. Apesar disto, em cada parada, ia se banhar no rio!

Christina seguia pelo Sepik, ao sabor do acaso , de um povoado a outro. Os enfeites e os costumes mudavam muito; hospedava-se com os nativos e não se recusava a comer o aperitivo sempre oferecido, de larvas fervidas. (189)

Quando chegou a Pagwi, povoado muito frequentado na região do Sepik, sua piroga foi roubada! Encontrou-a em um “ estacionamento” de pirogas e simplesmente retomou-a. Mas aparentemente, o paraíso com o qual sonhava não mais o de antigamente.

Christina foi até presa como "espiã”, pois não tinha seu passaporte com ela. As mulheres a protegeram e enviaram os importunos “a ocupações mais importantes”. (168)

Foi nesta parte do Sepik, que ela encontrou as butiques de turistas e sofreu um assédio inesperado: alguns jovens abordaram-na para lhe propor dormir com eles. Estupor! Ela não havia tido nenhuma vez tais avanços em sua navegação pelo Sepik. Mas esteve em um povoado onde os pais incentivavam as filhas à prostituição. Uma demanda se instala e imediatamente a oferta aparece. As escórias da “civilização” patriarcal já havia se instalado entre eles.

E finalmente, após um ano de andanças, de desconforto, mas sobretudo de descobertas e amizades obtidas, a viagem ia se acabando...

« Tout le long du fleuve, les gens criaient : Femme du Sepik ! Ils ramaient vers moi et m´offraient des fruits, des papayes, des melons d´eau, de la canne à sucre, du poisson et une nouvelle moustiquaire. Leur générosité me touchais plus je ne saurais le dire. » (210)

No tumulto ocasionado por sua chegada a Angoram, a voz de um homem  dominou.

« Femme du Sepik, dans ta pirogue, tu as parcouru un long, long chemin. Tu as triomphé du Sepik, la victoire est ta couronne. »(210)

Christina fecha assim seu livro sobre a viagem na Papuásia Nova Guiné:

 « Cette voix résonne encore en moi. » (210)

Mas em breve partiria para outras façanhas, igualmente fascinantes, pois em seu sangue corria o desejo da exploração e da descoberta.

Mulher de aventura.

 

Références

Dodwell, Christina. 1985. Une femme chez les Papous, Paris : Ed. Presses de la Cité

Foucault, Michel. 1971. L´ordre du discours, Paris : Gallimard.

 

Nota biográfica

tania navarro swain

Professora da Universidade de Brasilia, doutora pela Université de Paris III, Sorbonne. Foi professora convidade, em 1997/98 naUniversité de Montréal-UdM,e na Université du Québec à Montréal,no l`IREF- Institut de Recherches et Études Féministe. Criou o primeiro curso de Estudos Feministas no Brasil, na gradução e na pós-graduaçãio, em nível de mestrado e doutorado. Suas publicações compreendem livros e numerosos capítulos de livros, vem como mais de 100 artigos em revistas brasileiras e internacionais. site: http://www.tanianavarroswain.com.br .Elle est également éditeure de la revue électronique "Labrys, études féministes", www.labrys.net.br

 

notas:

[i] Ver meu artigo, LA CONSTRUCTION IMAGINAIRE DE L'HISTOIRE ET DES GENRES: LE CAS DU BRÉSIL AU XVIÈME SIÈCLE http://www.tanianavarroswain.com.br/francais/construction.htm